VOTE!! Meu blog concorre!!

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Disputa tributária
Taxa dos EUA ajuda a compreender guerra fiscal brasileira

Por André Luiz dos Santos Pereira e Gustavo Perez Tavares

No dia 28 de março de 2013, a Court of Appeals do Estado de Nova Iorque (semelhante aos Tribunais de Justiça estaduais brasileiros) julgou o que pode ser o leading case sobre o critério espacial (e, consequentemente, a possibilidade de cobrança) da sales tax americana (equivalente do nosso ICMS) para vendas pela internet, quando a loja online não se encontrar fisicamente no estado de destino das mercadorias.

A busca de alguns estados americanos de diminuir os seus “prejuízos” nas vendas online se assemelha à questão brasileira inaugurada com o famigerado Protocolo ICMS 21[1] – subscrito pelos estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe, além do Distrito Federal, o qual exige o recolhimento de ICMS aos estados de destino das mercadorias, nas vendas não presenciais – e, atualmente, se encontra amplamente contestado perante o Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (entre elas, a ADI 4713, ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria).

Com efeito, algumas das questões suscitadas no âmbito da Court of Appeals do Estado de Nova Iorque a respeito da sales tax americana para vendas pela internet guarda fortes aproximações com as que se estão a travar no âmbito de outras Ações Diretas de Inconstitucionalidade em trâmite no STF, em que se questionam as normas instituídas pelos entes federados para a cobrança do ICMS nas operações interestaduais por meios não presenciais[2].

Por meio da chamada Commerce Clause[3], a Constituição americana prevê que, para que um estado possa exigir a sales tax em uma venda de mercadorias, é necessário que essa venda tenha um nexo causal e substancial direto com o referido estado. Esse chamado nexo substancial era configurado pela jurisprudência, até recentemente, pela presença física do vendedor no território do estado.

O precedente até então aplicado a essas situações foi julgado pela Supreme Court (equivalente americano ao Supremo Tribunal Federal brasileiro) em 1967, no caso National Bellas Hess, Inc. v. Department of Revenue of Illinois (“Bellas Hess”) envolvendo a venda de mercadorias via catálogo enviado pelos correios, em que se decidiu pela impossibilidade da cobrança pelos estados de destino, pois a única relação entre comprador e vendedor seria via correios. Esse posicionamento foi reafirmado em 1992, no caso Quill Corp. v. North Dakota, tendo a Supreme Court consignado que a presença física do vendedor seria um critério razoável de limitação para a tributação pelos estados.

No caso Amazon.com, LLC, et al. v. New York State Department of Taxation and Finance, et al.”, julgado no final de março de 2013, a gigante americana de vendas online busca a declaração de inconstitucionalidade (tanto abstrata quanto incidental) da legislação tributária do estado de Nova Iorque que exige o recolhimento da sales tax nas vendas decorrentes (originárias) de espaços publicitários em sites locais (a chamada “Internet tax”). Na prática, o dono de um site novaiorquino (um jornal local, por exemplo) disponibiliza um anúncio da Amazon em seu site e recebe uma porcentagem (comissão) pelas vendas finalizadas no site da loja, que tiveram início no seu “banner” ou “link”.

O objetivo do Estado de NY é, como se observa, dar uma nova interpretação para a Commerce Clause (a qual, vale relembrar, encontra previsão na própria Carta Constitucional americana) diante da realidade atual de vendas pela internet, visando a diminuir uma suposta defasagem na arrecadação com a diminuição, ano a ano, das vendas em lojas físicas em detrimento das vendas online.

Objetivo parecido é o dos estados subscritores do referido Protocolo ICMS 21, que se sentem prejudicados com o recolhimento integral do imposto para o estado de origem física das mercadorias em vendas não presenciais e, em razão disso, buscam uma forma de aumentarem sua arrecadação em uma época em que cresce consideravelmente no Brasil o volume de vendas por esses meios.

Voltando ao caso americano, a Court of Appeals do Estado de Nova Iorque julgou, por maioria, constitucional a exigência da sales tax, apesar de ter se reportado ao caso “Bellas Hess”, afirmando que o fato de a Amazon buscar sites essencialmente voltados para a população do estado configuraria o nexo substancial necessário para a configuração da Commerce Clause e, portanto, constituiria uma presunção válida da atuação da empresa no estado, preenchendo, assim, os requisitos autorizadores para a cobrança do tributo estadual.

Apesar de afirmar que apenas a Suprema Corte seria competente para rever seu entendimento quanto ao critério da presença física como requisito para configurar a Commerce Clause, a Corte de Apelações novaiorquina mostra seu entendimento no sentido de que o comércio virtual se desenvolveu substancialmente nas últimas décadas e merece flexibilização dos conceitos fixados anteriormente[4].

Em voto de divergência, o juiz Smith entendeu que o objetivo dos donos dos sites novaiorquinos não seria o de promover as vendas da Amazon, como faria um representante comercial, mas apenas de financiar o seu site, nos moldes do que os donos de jornais impressos fazem quando vendem anúncios ou classificados para as empresas. Apesar de a forma de pagamento pelo anúncio ser mais próxima àquela de uma comissão de venda, para o juiz Smith, “um link ainda é apenas um anúncio”[5], não podendo ser presumido pela legislação como representação comercial.

Apesar de a situação julgada nos Estados Unidos ser peculiar à própria legislação americana e, ademais, ainda precisar ser abordada em nível federal (se assim entender a Suprema Corte), o caso da Amazon mostra que a situação brasileira com o Protocolo ICMS 21 não é isolada, mas, aparentemente, uma tendência, e que os países terão que abordar mais cedo ou mais tarde para adaptar a legislação criada em uma época em que o comércio online praticamente não existia.

Prova disso é o fato de que o fundamento (ainda que velado) utilizado pela corte novaiorquina para declarar constitucional a Internet tax é praticamente idêntico ao fundamento apresentado pelos estados brasileiros para a subscrição do Protocolo ICMS 21. Confira-se:

“considerando que a sistemática atual do comércio mundial permite a aquisição de mercadorias e bens de forma remota;
considerando que o aumento dessa modalidade de comércio, de forma não presencial, especialmente as compras por meio da internet, telemarketing e showroom, deslocou as operações comerciais com consumidor final, não contribuintes de ICMS, para vertente diferente daquela que ocorria predominante quando da promulgação da Constituição Federal de 1988;
considerando que o imposto incidente sobre as operações de que trata este protocolo é imposto sobre o consumo, cuja repartição tributária deve observar esta natureza do ICMS, que a Carta Magna na sua essência assegurou às unidades federadas onde ocorre o consumo da mercadoria ou bem;
considerando a substancial e crescente mudança do comércio convencional para essa modalidade de comércio, persistindo, todavia, a tributação apenas na origem, o que não coaduna com a essência do principal imposto estadual, não preservando a repartição do produto da arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e de destino, resolve celebrar o seguinte” (grifamos)

A flexibilização conceitual promovida pela Court of Appeals novaiorquina quanto ao critério da presença física (physical presence), admitindo a “projeção virtual” (virtual projection via the Internet) para fins de aplicação da Commerce Clause não difere, substancialmente, da pretensão das unidades federadas signatárias do Protocolo ICMS 21 de redefinir alguns conceitos da legislação brasileira sobre o imposto estadual.

Em especial, o conceito de estabelecimento adotado pela Lei Complementar 87/96, cujos elementos definidores seriam suficientemente amplos para albergar uma possível “releitura” à luz dos influxos trazidos pelo comércio virtual[6].

Por ocasião do referendo da medida cautelar concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4565, o Relato, ministro Joaquim Barbosa, citando a decisão proferida no caso Quill Corp. v. North Dakota a respeito das vendas por correios mediante catálogos postais, consignou que as facilidades do comércio eletrônico não teriam o condão de “deslocar fisicamente” os estabelecimentos remetentes para a porta do consumidor[7].

Posteriormente, no julgamento do referendo da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4705, o ministro Gilmar Mendes, embora acompanhando o relator, chegou a mencionar a possibilidade de avaliar uma mutação constitucional a partir da modificação do contexto das operações comerciais a partir da Internet. Na prática, pode-se dizer que se formulou questionamento muito semelhante àquele que inspirou a decisão recentemente proferida no caso Amazon.

Entretanto, é necessário ponderar que a complexidade e o nível de detalhamento da legislação do ICMS representa um sério entrave à adoção da solução da Court of Appeals novaiorquina. A ficção jurídica de uma operação local no domicílio do consumidor final não poderia ser criada sem que, necessariamente, fossem alteradas as competências tributárias.

Cabe lembrar que, de acordo com o art. 155, §2º, II, b, da Constituição Federal, o ICMS incidente sobre as operações interestaduais destinadas a consumidor final cabe à unidade da Federação em que domiciliado o remetente. Apenas quando o destinatário for consumidor do imposto é que a unidade da Federação do adquirente da mercadoria fará jus ao imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual (art. 155, §2º, VIII, da Constituição Federal).

Esse quadro constitui, a nosso ver, um sério obstáculo à adoção desta ficção, uma vez que implicaria afastar a competência tributária da unidade da Federação do remetente, permitindo, na prática, uma nova hipótese de “diferencial de alíquotas” não prevista constitucionalmente e poderia, até mesmo, violar a própria não-cumulatividade do imposto ante a cobrança em duplicidade do tributo por duas unidades da Federação.

Resta clara, portanto, uma tendência dos países em rever suas legislações tributárias no sentido de melhor repartir as receitas advindas do comércio online e, se a recente decisão da Court of Appeals novaiorquina pode ser tomada como um indicativo, mesmo com suas peculiaridades, podemos estar na eminência de uma mudança de entendimento.

No caso brasileiro, caberá ao STF decidir a questão. Apesar de a forma usada pelos subscritores do Protocolo ICMS 21 não ser a mais difícil de ser derrubada judicialmente, certamente surgirão outras tentativas dos estados em buscar sua parcela desse mercado que só tende a crescer, visando à satisfação da sede arrecadatória que, como sabemos, é inesgotável. As propostas vão sugerir que a solução mais acertada venha a ser a modificação do texto constitucional no que concerne à competência para arrecadar o ICMS incidente em tais operações, e não a “criação” de uma nova incidência tributária.

[1] Apenas para lembrar, nas operações interestaduais de mercadorias com destino ao consumidor final, o ICMS é integralmente devido ao estado de origem das mercadorias. O Protocolo ICMS 21, por usa vez, exige adicionalmente um percentual de ICMS ao estado de destino dos bens, em verdadeira inovação e criação de tributo sem lei, em nosso sentir.

[2] Nesse sentido, nos reportamos aos julgamentos dos referendos das medidas cautelares concedidas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.565 e 4.705.

[3] United States Constitution (Article I, Section 8, Clause 3): The Congress shall have power (…)To regulate Commerce with foreign Nations, and among the several States, and with the Indian Tribes;

[4] “The world has changed dramatically in the last two decades, and it may be that the physical presence test is outdated. An entity may now have a profound impact upon a foreign jurisdiction solely through its virtual projection via the Internet. That question, however, would be for the United States Supreme Court to consider.”

[5] “It was no doubt true before the internet existed that advertising was usually sold for a flat fee, while sales agents usually worked on commission, but that has changed. When an advertisement takes the form of a link on a website, it is easy, as well as efficient, for the advertiser to compensate the website on the basis of results. But the link is still only an ad”

[6] Art. 11, §3º: § 3º: “Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias (...)”.

[7] “A facilidade de comunicação criada pela internet evidentemente é incapaz de deslocar fisicamente estabelecimentos comerciais ou industriais à porta dos consumidores, assim como as antigas vendas por correio a partir de catálogos postados ou vendidos em bancas de jornal também não criavam entreposto comercial no território de cada estado ou município consumidor.”

André Luiz dos Santos Pereira é advogado da área de contencioso do escritório Machado Associados

Gustavo Perez Tavares é advogado da área de Contencioso do escritório Machado Associados.

Revista Consultor Jurídico, 22 de abril de 2013

Nenhum comentário: