O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na sessão de hoje (12) o julgamento do Recurso Extraordinário (RE 576155) e reconheceu, por maioria de votos, a legitimidade do Ministério Público para questionar, por meio de ação civil pública, acordos firmados pelos estados com o objetivo de atrair empresas a se instalarem em seus territórios. Esses acordos são os instrumentos utilizados pelos estados pela chamada “guerra fiscal”.
A matéria tem repercussão geral reconhecida e é tratada em cerca de 700 ações semelhantes em tramitação na Justiça, em que o Ministério Público questiona acordos que totalizam até R$ 8 bilhões em renúncia fiscal. As ações estavam sobrestadas, aguardando a análise do STF neste RE, e a decisão de hoje deve ser observada em todos esses processos.
No caso específico do recurso julgado hoje, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ajuizou ação civil pública para questionar a validade de Termo de Acordo de Regime Especial (TARE) firmado entre o Governo do Distrito Federal e a empresa Brink Mobil Equipamentos Educacionais Ltda., prevendo um regime especial de recolhimento do ICMS devido pela empresa. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) julgou que o MPDFT não tinha competência para propor ações deste tipo. Na ação, o MP deixou claro que seu objetivo não era discutir a incidência, a legalidade ou a constitucionalidade de tributo, entrando em questões de interesse individual dos contribuintes.
O pedido principal foi a anulação do acordo, concedido em desrespeito às normas constitucionais e complementares. Segundo o MPDFT, a concessão de benefício deve ser acompanhada de medidas compensatórias que possam resultar em aumento de arrecadação por outro meio. Prevaleceu o voto do ministro relator, Ricardo Lewandowski, que, reconhecendo a legitimidade do MP para propor tais ações, determinou o retorno dos autos ao TJDFT para que este decida sobre o eventual recolhimento da parte do tributo descontada por força do acordo. Acompanharam o relator os ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente, Cezar Peluso.
Voto-vista
O julgamento foi retomado hoje com o voto-vista da ministra Ellen Gracie. Segundo ela, o artigo 129 da Constituição elenca as funções institucionais do Ministério Público, entre as quais a proteção do patrimônio público, que tem a ação civil pública como um de seus instrumentos processuais. “Não faria sentido que qualquer cidadão pudesse propor ação popular visando anular ato lesivo ao patrimônio público e que o Ministério Público, como defensor de toda a sociedade, não tivesse essa legitimidade para propor a mesma ação”, enfatizou a ministra em seu voto-vista.
Ao acompanhar a divergência aberta pelo ministro Menezes Direito (falecido) e seguida pela ministra Cármen Lúcia e pelo ministro Eros Grau, o ministro Gilmar Mendes alertou para os efeitos da anulação do TARE. “Há menções nos autos, especialmente em argumentos e dados trazidos pelo Distrito Federal, de que o TARE está promovendo aumento de arrecadação do ICMS e gerando empregos diretos e indiretos. E a razão desse resultado parece ser muito simples: o regime especial de apuração de ICMS, na qualidade de incentivo fiscal, constitui um chamativo para as empresas que desejam se instalar no DF, movimentando a economia local e trazendo benefícios em cadeia para toda a população. Se isto for verdadeiro, chega a ser irônica a ação do Ministério Público”, disse o ministro Gilmar.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio deixou claro que o STF não estava julgando o mérito da questão, apenas a legitimidade do Ministério Público para propor a ação. Ele disse que, no caso em questão, “contribuinte, estado e fisco estão de braços dados” e somente o MP poderia ter a iniciativa de recorrer ao Judiciário para reparar lesão à coisa pública. “Não vamos esperar que o cidadão comum o faça, por meio de uma ação popular ou com outra medida qualquer. Somente aquele que atua em defesa da sociedade poderia ter essa iniciativa. Não há como, na hipótese, deixar de reconhecer a legitimação do Ministério Público, sob pena de se cometer uma violência ao artigo 129, inciso III, da Constituição”, afirmou o ministro Marco Aurélio.
O ministro Celso de Mello também acompanhou integralmente o voto do relator, reconhecendo a legitimidade do Ministério Público. Sua convicção quanto ao acerto do voto do ministro Lewandowski o levou a rever posicionamento anterior, que tinha expressado em questão semelhante há aproximadamente três anos. Da mesma forma o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, acompanhou o relator, acrescentando que a legitimidade do MP nasce diretamente do artigo 129, inciso III, da Constituição e não ofende a Lei nº 7.347/85 (art.1º, parágrafo único) que não admite ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos. “O caso aqui não é de execução fiscal e, muito menos, de dano a contribuintes determinados. É um dano que diz respeito a uma renúncia fiscal inconstitucional, que não obedece ao padrão autorizado por lei e que não se limita ao Distrito Federal, se estendendo à dinâmica da economia nacional”, concluiu Peluso.
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