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quinta-feira, 9 de maio de 2013

Município deve respeitar competência para instituir tributos



Por Luiz Gustavo A. S. Bichara e Francisco Carlos Rosas Giardina

O Município do Rio de Janeiro, na medida em que se avizinham eventos de grande repercussão para a cidade e o país, começa a buscar fontes de recursos que façam frente aos grandes investimentos e, igualmente, que cubram as inúmeras desonerações fiscais contidas na Lei Municipal 5.230, de 25 de novembro de 2010.

A despeito do nobre objetivo de angariar receitas, o Município do Rio de Janeiro, evidentemente, não pode extrapolar da sua competência constitucional para instituir tributos. Um exemplo gritante do equívoco cometido é a recente Instrução Normativa SMF 20, de 9 de abril de 2013 (DOMRJ 10/4/2013) que, a pretexto de aclarar alguns pontos sobre o ISS devido por empresas de planos de saúde, passou a considerar as seguradoras especializadas em saúde como contribuintes do ISS.

A previsão, contudo, é evidentemente ilegal.

Não é recente a pretensão de alguns municípios pretenderem cobrar ISS sobre a atividade securitária. Ocorre que o Decreto-Lei 406/68 e, atualmente, a Lei Complementar 116/2003 não têm qualquer item que autorize a referida tributação. Nem mesmo cabe cogitar de uma intermediação de negócios. O seguro não é um serviço para fins de tributação.

Um problema mais delicado relacionado ao assunto se refere à atividade de planos de saúde. Isso porque, em que pese esteja ele elencado como hipótese de incidência do ISS, o plano de saúde não é, salvo exceções, um serviço em seu sentido técnico. A operação envolve obrigações de dar (indenizar por um evento ocorrido), quer seja pelo sistema de reembolso, quer seja um pagamento direto ao prestador do serviço, esse sempre que se dá por conta e ordem do beneficiário do plano.

Não por outro motivo é que o tema será, em breve, analisado pelo Supremo Tribunal Federal pelo regime de repercussão geral, mais especificamente no Recurso Extraordinário 651.703/PR, relator o Ministro Luiz Fux.

Ousando ainda mais, portanto, na medida em que nem mesmo o plano de saúde se revela como um serviço, o Município do Rio de Janeiro fez editar a aludida Instrução Normativa SMF 20/2013, tributando o seguro-saúde pelo ISS, providência que não se sustenta por uma série de razões.

A Lei Federal 10.185/2001 instituiu as seguradoras especializadas em saúde e estabeleceu, em seu artigo 2º, que, para efeito da Lei 9.656/98 e da Lei 9.961/2000, o seguro-saúde se enquadra como plano privado de assistência à saúde e a sociedade seguradora especializada em saúde como operadora de plano de assistência à saúde.

Essa constatação já é decisiva e resolve a questão. Contrariamente ao que entende o Município do Rio de Janeiro, a Lei 10.185/2001 tão somente submeteu o seguro-saúde ao regime próprio dos planos de saúde para fins regulatórios e de fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Concluir que, daí, se possam dar efeitos tributários dessa magnitude é um passo demasiadamente largo.

Com efeito, uma vez que o seguro-saúde objetiva dar cobertura aos riscos de assistência médica e hospitalar, conforme o que se estabeleceu desde o Decreto-Lei 73/66, é apenas lógico deva o seguro-saúde estar sob o manto da mesma agência regulatória que as demais operadoras de planos de saúde. Não é razoável que, para o seguro-saúde, tenhamos a Superintendência Nacional de Seguros Privados (SUSEP) e, para os planos de saúde, a ANS. A normatização do setor deve ser uniforme.

É impertinente tirar dessa premissa, portanto, que o seguro-saúde seja idêntico ao plano de saúde. A Lei Complementar 116/2003 não coloca o seguro, seja ele qual for, como sujeito ao ISS. Aliás, se o fizesse, seria inconstitucional. A seguradora indeniza sinistros, não havendo prestação de serviços qualquer.

O Município do Rio de Janeiro, inclusive, se põe em contradição com suas próprias decisões. O próprio Coordenador da Coordenadoria de Revisão e Julgamento Tributários, em processo administrativo envolvendo uma seguradora de saúde, teve a oportunidade de decidir que “uma empresa seguradora quando administra sinistros acobertados por seus próprios contratos de seguros, não administra negócio de terceiro, administra o próprio negócio. Por outro lado, por se tratar de operação de seguro, o imposto incidente não é o ISS, mas o IOF, mercê do artigo 153, V, da Constituição Federal.”.

A administração pública deve ter coerência nas suas atitudes. O princípio da confiança anda lado a lado com a moralidade. A atividade empresarial não pode ficar à mercê de interpretações desencontradas ou de entendimentos dos administradores de ocasião.

Não é ocioso lembrar, que o seguro é tema sujeito à normatização federal apenas. Outros entes federativos que não a União Federal não têm competência alguma para criar regras que impactem no seguro.

O seguro está sujeito ao recolhimento do IOF, tributo federal, que grava o prêmio pago pelos segurados. Os municípios não podem pretender cobrar ISS de uma grandeza já tributada por um tributo federal.

Importante salientar que outras prefeituras, mais apegadas à legalidade, como o Município de São Paulo, expressamente declararam que o seguro-saúde não está submetido ao ISS, na medida que “as sociedades seguradoras, inclusive as Seguradoras Especializadas em Saúde, estão fora do campo de incidência do ISS e sujeitas a imposto de competência da União, conforme disposto no artigo 153, V da Constituição Federal.” (Solução de Consulta SF/DEJUG 74, de 21 de agosto de 2007).

Por fim, cabe atentar ao fato de que essa pretensão do Município do Rio de Janeiro vem plasmada em uma simples instrução normativa, inclusive com incidência imediata. Mesmo que lhe fosse admitido instituir tributos — e, por evidente, não o é — a referida norma deveria ter observado o princípio da anterioridade. Em verdade, mesmo se houvesse lei nesse sentido com a observância da anterioridade, isso pouco importa, a previsão seria inconstitucional de toda forma.

Afora esses aspectos de índole tributária, é necessário evidenciar que o seguro ocupa uma função da mais alta relevância para o país. O Município do Rio de Janeiro deveria estar preocupado em atrair investimentos, mantendo, em seu território, atividades econômicas relevantes, sob pena de termos novamente o esvaziamento da Cidade e do Estado que infelizmente se verificou na década de 90. Aquelas seguradoras que apostaram no Estado e no Município são agora punidas, ainda que de forma indireta.

A administração pública precisa se mostrar coerente com as suas posturas e com os encargos que lhe são confiados pelo texto constitucional. É mais do que o momento de se agir com a mais absoluta seriedade e respeito com os agentes econômicos.

A atividade securitária está assentada em critérios de mutualismo. Se há a quebra desse equilíbrio, todos perdem, uma vez que os interesses em jogo são diretamente do grupo segurado e, indiretamente, da própria sociedade e do Estado.

Luiz Gustavo A. S. Bichara é advogado tributarista, sócio do escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados, vice-presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB/RJ, diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro e membro do general council da Intenational Fiscal Association.

Francisco Carlos Rosas Giardina é advogado no escritório Bichara, Barata & Costa Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 9 de maio de 2013

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