Justiça Comentada
Ressarcimento ao erário por
improbidade não pode ser pleiteada em ação autônoma
29 de
outubro de 2014, 13h15
Fonte:
www.conjur.com.br
O combate à corrupção, à
ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na
carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade,
deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos órgãos constitucionalmente
institucionalizados.
A corrupção é a negativa do Estado Constitucional,
que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos
negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e
eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do
Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de
cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa.
A eficiência no combate à corrupção e a severidade
na aplicação das necessárias sanções pela prática de atos de improbidade
administrativa devem, contudo, respeitar a garantia do Devido Processo Legal e
seus princípios corolários da Ampla Defesa e Contraditório, que configuram
essencial proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção
ao direito de liberdade (no campo penal), aos direitos políticos (no campo da
improbidade) e ao direito de propriedade (ressarcimento ao erário e multas
civis), quanto no âmbito formal, ao assegurar‑lhe paridade total de condições
com o Estado‑persecutor e plenitude de defesa, visando impedir o arbítrio do
Estado e salvaguardar o indivíduo da aplicação de sanções irregulares.
A responsabilização por ato de improbidade
administrativa, com a consequente aplicação das sanções previstas no artigo 12
da Lei 8.429/92 (LIA), somente poderá ocorrer após a constatação da prática das
elementares do tipo previstas nos artigos 9, 10 ou 11, e, desde que, presente o
necessário elemento subjetivo do tipo (dolo), ou na hipótese do artigo 10,
também o elemento normativo (culpa), pois, a persecução estatal também no
âmbito da improbidade administrativa está vinculada a “padrões normativos, que,
consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas
ao poder do Estado”, pois “a própria exigência de processo judicial representa
poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao poder de
coerção do Estado” (STF, RTJ 161/264).
Nos termos do referido artigo 12, independentemente
das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica,
estará o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações,
que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade
do fato: ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio, quando houver, perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário.
Ocorre, porém, que artigo 23 da LIA estabeleceu que
as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser
propostas: (I) até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo
em comissão ou de função de confiança; (II) dentro do prazo prescricional
previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a
bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
Excepcionalmente, porém, nos termos do parágrafo 5º, do artigo 37 da
Constituição Federal, o ressarcimento ao erário público decorrente de ato de improbidade
administrativa, previsto como sanção no artigo 12, será imprescritível.
Em virtude disso, discute-se se, uma vez prescritas
as demais sanções aplicáveis pela prática de ato de improbidade, seria possível
o ajuizamento ou a continuidade da ação civil condenatória, somente para
aplicação da sanção de ressarcimento ao erário decorrente da Lei 8.429/92 (STJ:
Resps. 434.661/MS, 1.089.492/RO, 928.725/DF, 1.218.202/MG, 1.089.492/RO,
1.303.170/PA, 1331203/DF), ou se seria exigível procedimento genérico e autônomo,
com a propositura de mera ação de ressarcimento (STJ: Resps. 801846/AM,
1232548/SP).
A discussão sobre a necessidade de ação autônoma de
ressarcimento ou da própria ação condenatória por ato de improbidade, deverá
sempre levar em consideração que, apesar da obrigatória necessidade de
reposição de eventual prejuízo ao erário em qualquer hipótese de dano ao
patrimônio público, o ressarcimento integral do dano pela prática de ato de
improbidade foi estabelecido constitucional e legalmente como sanção, podendo
ser aplicada à partir de condenação e somente após o devido processo legal,
iniciado com o ajuizamento de ação principal, pelo rito ordinário, proposta
pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada e garantidos os
princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
A necessidade de ajuizamento ou de prosseguimento
de ação civil de condenatória para fins de ressarcimento ao erário público,
mesmo nos casos de prescrição das demais sanções previstas na Lei 8.429/92
deriva, portanto, da própria exigência de comprovação da prática de fato típico
definido como “ato de improbidade administrativa”, bem como da existência de
responsabilidade subjetiva do agente; pois, caso, o autor da ação não consiga
demonstrar esses elementos, inexistirá a possibilidade de aplicação dessa
sanção, mesmo que protegida pela imprescritibilidade e, consequentemente, não
haverá a responsabilidade do réu em ressarcir o erário público pela prática de
improbidade administrativa.
Dessa maneira, o Poder Judiciário somente poderá
aplicar as sanções por ato de improbidade administrativa previstas na Lei
8.429/92, entre elas a de ressarcimento ao erário, após sentença condenatória
que confirme a materialidade e autoria de uma das condutas tipificadas nos
artigos 9, 10 ou 11 da lei, bem como a existência do elemento subjetivo por
parte do agente público que o praticou (dolo), ou na hipótese do artigo 10
também o elemento normativo (culpa) e de eventual beneficiário, pois a
comprovação da prática de ato de improbidade administrativa é essencial para
que o Poder Judiciário possa impor as sanções devidas, inclusive, o
ressarcimento ao erário; devendo, portanto, existir imputação específica pelo
autor da ação de uma das condutas descritas nos artigos 9, 10 ou 11, que possibilite
ao acusado o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Em outras palavras, nos termos do artigo 37,
parágrafo 4º da Constituição Federal e da Lei 8.429/92, somente haverá a
possibilidade da imposição de ressarcimento ao erário público se o agente
público ou o beneficiário for condenado pela prática de ato de improbidade
administrativa, não se confundindo, portanto, com as demais hipóteses de dever
de ressarcimento motivadas pela prática de outros atos que não os definidos
pela referida lei.
Não concordamos, portanto, com a afirmação de que a
obrigação de ressarcimento ao erário público, quando derivada da prática de ato
de improbidade administrativa, possa ser pleiteada em ação autônoma, pois a
ação indenizatória tem causa de pedir diferenciada da ação condenatória por ato
improbidade administrativa, pois nessas hipóteses, a causa de pedir do
ressarcimento ao erário público é especificamente a ocorrência dessa
ilegalidade ou imoralidade qualificadas, mesmo que não seja possível
responsabilizar o agente público ou os beneficiários pelas demais sanções do
artigo 23 da LIA.
Não se trata de mera ação de ressarcimento ou
indenizatória movida com base em responsabilidade objetiva ou subjetiva pela
prática de outro ato ilícito que não esteja tipificado como ato de improbidade
administrativa; pelo contrário, independentemente da prescrição das demais
sanções, o autor da ação estará imputando ao réu a prática de atos de
improbidade administrativa, e consequentemente deverá descrevê-los na inicial,
apontando e comprovando a prática de conduta típica específica, sob pena de
grave ferimento à ampla defesa, uma vez que, a imprescritibilidade do dano
perseguida em juízo decorre diretamente da imputação da prática de uma ato de
improbidade administrativa.
A necessidade de ajuizamento ou de prosseguimento
de ação civil de improbidade administrativa para fins de ressarcimento ao
erário público, mesmo nos casos de prescrição das demais sanções previstas na
Lei 8.429/92, decorre da necessidade de fiel observância ao Princípio da Tutela
Judicial Efetiva, que supõe o estrito cumprimento pelos órgãos judiciários dos
princípios processuais previstos no ordenamento jurídico, em especial o Devido
Processo Legal, o Contraditório e a Ampla defesa, incluído todas as previsões específicas
da Lei 8.429/92, pois as previsões processuais e a sequência procedimental não
são mero conjunto de trâmites burocráticos, mas um rígido sistema de garantias
para as partes visando ao asseguramento de justa e imparcial decisão final, com
eventual imposição de sanção.
Lembremo-nos, que a mácula pela condenação por
improbidade administrativa, mesmo que somente possível a determinação de
ressarcimento ao erário público em face da prescrição das demais sanções, é
muito mais grave do que a mera condenação em ação de ressarcimento genérico;
devendo, pois, ser garantido ao acusado o devido processo legal previsto pela
Lei 8.429/92, com a necessidade de plena comprovação da prática do ato de
improbidade.
A ocorrência de prescrição em relação às demais
espécies sancionatórias estabelecidas para reprimenda da prática do ato de
improbidade não afasta a possibilidade dos legitimados ingressarem com a ação
civil condenatória com base na Lei 8.429/92, pleiteando somente a sanção de
ressarcimento, ou mesmo, continuarem a perseguir em juízo a aplicação da única
sanção imprescritível, qual seja, a de natureza ressarcitória, pois não será
constitucionalmente permitido, que o réu possa ser responsabilizado pela
prática de ato de improbidade e, consequentemente condenado ao ressarcimento ao
erário — mesmo que prescritas todas as demais sanções — sem a integral
possibilidade de exercer a ampla defesa e o contraditório, durante o
procedimento legal previsto pela própria LIA, sob pena de flagrante desrespeito
aos Princípios do Devido Processo Legal, da Reserva Legal e Anterioridade.
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