Regime privado não pode ser esconderijo do alcance e regras do Direito Público
Organizar, na acepção comum, significa a atividade de “colocar em ordem” com amparo em algum critério e com vistas a determinada finalidade. O vocábulo organização,
por sua vez, compreende os atos e efeitos de organizar, podendo
abranger estruturas, instrumentos, processos e finalidades buscadas com a
sobredita ordem. As duas expressões (organização e administração)
possuem como elemento comum a finalidade ou, melhor, a busca orientada de determinados fins. É justamente a finalidade o ponto nodal de distinção entre as diversas formas de organização e de administração. Na clássica lição Ruy Cirne Lima, a finalidade pública
condiciona a Administração Pública, caracterizando-a como a atividade
do que não é proprietário, senhor absoluto. Trata-se, pois, de
realidades que se completam. Sob o ponto de vista do ordenamento
jurídico, convém relembrar a clássica lição de Santi Romano ao dizer que
o Direito, antes de ser norma e de implicar uma simples relação ou uma
série de relações sociais, é sobretudo organização, estrutura.
Em consequência, pode-se falar em “organização da Administração Pública” em sentido amplo, abrangendo as acepções subjetiva e objetiva,
definido-a como a composição e conformação de estruturas, competências,
processos e instrumentos da Administração voltados ao alcance de
finalidades públicas. Nesse sentido amplo, a organização da
Administração compreende objetos diversos, tais como: a) criação e
composição de estruturas subjetivas e objetivas adequadas para o alcance
de finalidades; b) determinação e distribuição das tarefas entre
estruturas e agentes mediante critérios estabelecidos e voltados para o
alcance dos objetivos; c) provisão de pessoal para o exercício das
tarefas; d) relações de coordenação, subordinação e controle entre as
diversas estruturas organizativas; e) estruturação da prestação das
diversas atividades realizadas pela Administração de forma a atingir, de
forma satisfatória, as finalidades públicas específicas buscadas; e f)
controle de todos os processos planejados e executados.
A conexão
da ciência do Direito com a ciência da Administração, sinteticamente,
ocorre com o objetivo de estabelecer no sistema jurídico uma ordem na
forma e nas estruturas de atuação para perseguir a realização de
determinados fins. Esse encontro envolve a avaliação e concepção de desenhos institucionais e ferramentas gerenciais voltadas ao alcance de objetivos determinados.
Nesse particular, assume importância o conhecimento da evolução e
diversificação dos modelos institucionais de organização administrativa,
questões que encontram local mais adequado para investigação nos
estudos de ciência da Administração e Administração Pública, não
necessariamente no Direito Administrativo. Cabe ao Direito
Administrativo estudar a organização em sentido restrito, abrangendo somente as estruturas e meios previstos no ordenamento jurídico com o intuito de desenvolver certas atividades para o alcance de determinados resultados.
Administração em sentido subjetivo: as alternativas colocadas ao Estado
Em se tratando da Administração Pública em sentido subjetivo,
no interior do ordenamento deverá ser buscada a estrutura
jurídico-subjetiva mais adequada para a realização de determinados fins.
Essas considerações são importantes para robustecer o papel essencial
desempenhado pelos sujeitos que exercem funções públicas (órgãos,
autarquias, empresas, etc). Em atendimento aos princípios que regem a
atividade da Administração Pública, não se admite que a decisão a
respeito de quem realizará qual tipo de atividade seja tomada de forma
passional, pessoal, sem atentar para as diferenças de regime jurídico e
para a vocação de cada estrutura subjetiva.
Para o desempenho de
atribuições determinadas pela Constituição para serem oferecidas aos
cidadãos como serviço público, por exemplo, o Estado possui diversas
alternativas de organização. Inicialmente, é possível prestar o serviço
de forma centralizada, por meio de órgão público integrado na pessoa
jurídica estatal. É ainda possível transferir atribuições por meio da
criação legal de um novo ente, com personalidade jurídica própria,
sujeita predominantemente ao direito privado ou ao direito público.
Admite-se ainda a prestação do serviço mediante diversos vínculos
contratuais firmados com particular, em regime de colaboração ou
parceria (em sentido amplo).
A decisão do Estado nesse processo de
organização não é indiferente, pois deve ser presidida pela necessidade
de identificar o modelo mais adequado para alcançar ou fomentar
determinada finalidade pública. Dentre outros aspectos, a decisão
político-administrativa a respeito deve levar em consideração se a
realização a contento de determinado tipo de atividade necessita ou não
de instâncias com menor grau de dependência do ente central. Esse
processo decisório deve ser feito de forma motivada e transparente para
que o cidadão possa não somente conhecê-los como, eventualmente, deles
participar ou buscar o seu controle.
Função garantista da organização
É reconhecer à organização uma função garantista
ligada à predeterminação das condições de futuro desenvolvimento da
atividade. No caso, a garantia do cidadão está na atribuição de uma
função a um ente ou órgão dotado das características necessárias para
sua adequada realização. A garantia está não somente na individualização
de funções e estabelecimento de seu regime jurídico, mas também na sua
adequada atribuição a sujeitos predeterminados. Na prática, trata-se de
identificar a estrutura subjetiva responsável pela relação jurídica
travada com o cidadão, que tem o direito de conhecer qual parte
do Estado deve procurar em cada situação; a qual unidade deve se
dirigir em cada caso. Sob o ponto de vista da própria Administração, a
organização é importante não só para atribuir competências e
responsabilidades como também para permitir que cada estrutura (órgão ou
entidade) possa defender suas atribuições, inclusive perante outros
órgãos e entidades.
Em outras palavras, a organização deve
estabelecer de forma clara um complexo de atribuições que permitam ao
cidadão antever qual órgão ou entidade é responsável pela realização de
qual atividade. Esse aspecto inclui a identificação do patrimônio que
poderá ser afetado em razão da responsabilização atribuída aos entes por
ações ou omissões no exercício de suas competências.
A função
garantista de organização está na predeterminação de finalidades, na
articulação das funções em atividades e em sua distribuição entre
sujeitos construídos de modo a assegurar o desenvolvimento adequado e
impessoal das ações administrativas. A discricionariedade relativa à
escolha da estrutura subjetiva a ser criada é, reforce-se, guiada pela finalidade pública a ser alcançada. O mesmo deve ser dito com relação à organização da atividade que será prestada pela estrutura criada.
O
que não se pode admitir simplesmente é a deliberada busca do regime
privado com o único fito de evitar as constrições do direito público, em
um movimento que tem ganhado o nome de “fuga do Direito
Administrativo”. A utilização de pessoas jurídicas de direito privado,
quando possível, não tem o condão de afastar por completo a aplicação do
regime jurídico público, tampouco de significar que a atividade
administrativa tenha se tornado privada.
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