RE N. 632.265-RJ
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
TRIBUTO – PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE. A exigibilidade de tributo pressupõe lei que o estabeleça – artigo
150 da Constituição Federal.
ICMS – REGIME DE APURAÇÃO –
ESTIMATIVA – DECRETO – IMPROPRIEDADE. A criação de nova maneira de recolhimento
do tributo, partindo-se de estimativa considerado o mês anterior, deve ocorrer
mediante lei no sentido formal e material, descabendo, para tal fim, a edição
de decreto, a revelar o extravasamento do poder regulamentador do Executivo.
*noticiado no Informativo 790
ADI N. 2.314-RJ
REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO (ART.38,IV, b,
DO RISTF)
POLÍCIA CIVIL – REGÊNCIA – LEI
– NATUREZA. A previsão, na Carta estadual, da regência, quanto à polícia civil,
mediante lei complementar não conflita com a Constituição Federal.
*noticiado no Informativo 790
AG. REG. NO ARE N. 903.291-BA
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AGENTE DE POLÍCIA. APLICAÇÃO DE PENA DE SUSPENSÃO.
NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO IMPUGNADO. FALHAS PROCEDIMENTAIS.
ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, XXXV, XXXVI, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL.
INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. DEBATE DE ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL
VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O MANEJO DE RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ARTIGO 93, IX, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. RAZÕES DE DECIDIR EXPLICITADAS
PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 18.3.2008.
1. Inexiste violação do artigo
93, IX, da Lei Maior. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido
de que o referido dispositivo constitucional exige a explicitação, pelo órgão
jurisdicional, das razões do seu convencimento, dispensando o exame detalhado
de cada argumento suscitado pelas partes.
2. O exame da alegada ofensa
ao art. 5º, XXXV, XXXVI, LIV e LV, da Constituição Federal, observada a
estreita moldura com que devolvida a matéria à apreciação desta Suprema Corte,
dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à
espécie, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária prevista no
art. 102 da Magna Carta.
3. As razões do agravo regimental
não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão
agravada, mormente no que se refere à ausência de ofensa direta e literal a
preceito da Constituição da República.
4. Agravo regimental conhecido
e não provido.
AG. REG. NO RE N. 881.908-CE
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
IMPOSTO
SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – FRETE – BASE DE CÁLCULO – INCLUSÃO – LEI
ORDINÁRIA – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. Viola o artigo 146, inciso III,
alínea “a”, da Carta Federal norma ordinária segundo a qual hão de ser
incluídos, na base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI,
valores em descompasso com o disposto na alínea “a” do inciso II do artigo 47
do Código Tributário Nacional. Precedente – Recurso Extraordinário nº
567.935/SC, de minha relatoria, Pleno, apreciado sob o ângulo da repercussão
geral.
AG. REG. NOS EMB. DECL. NO AG. REG. NO RE N. 705.264-SC
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
EMBARGOS
DECLARATÓRIOS – INEXISTÊNCIA DE VÍCIO. Uma vez voltados os embargos
declaratórios ao simples rejulgamento de certa matéria, inexistindo, na decisão
formalizada, qualquer dos vícios que os respaldam – omissão, contradição e
obscuridade –, cumpre desprovê-los.
ICMS –
BENS – IMPORTAÇÃO – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33, DE 2001 – PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE – PRECEDENTES. É constitucional a incidência do Imposto sobre a
Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS em bens importados, prevista na
Emenda Constitucional nº 33, de 2001, pressupondo a cobrança a edição de lei
complementar e de lei estadual a versar a matéria. Precedentes: Recursos
Extraordinários n. 474.267/RS e 439.796/PR, julgados no Pleno, relatados pelo
ministro Joaquim Barbosa, acórdãos veiculados, respectivamente, no Diário de 20
e 17 de março de 2014.
MS N. 32.941-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
CONCURSO PÚBLICO – BALIZAS –
EDITAL. O concurso é regido pelo edital, a lei do certame, publicado.
Transcrições
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão
mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de
decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse
da comunidade jurídica.
Guarda municipal e fiscalização de trânsito (Transcrições)
(v. Informativo 793)
RE 658.570/MG*
RELATOR: Ministro Marco
Aurélio
REDATOR P/ O ACORDÃO: Ministro
Roberto Barroso
EMENTA:DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
PODER DE POLÍCIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO. GUARDA MUNICIPAL.
CONSTITUCIONALIDADE.
1. Poder de polícia não se confunde com segurança pública. O
exercício do primeiro não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais, a
quem a Constituição outorgou, com exclusividade, no art. 144, apenas as funções
de promoção da segurança pública.
3. O Código de Trânsito Brasileiro, observando os parâmetros
constitucionais, estabeleceu a competência comum dos entes da federação para o
exercício da fiscalização de trânsito.
4. Dentro de sua esfera de atuação, delimitada pelo CTB, os
Municípios podem determinar que o poder de polícia que lhe compete seja
exercido pela guarda municipal.
5. O art. 144, §8º, da CF, não impede que a guarda municipal
exerça funções adicionais à de proteção dos bens, serviços e instalações do Município.
Até mesmo instituições policiais podem cumular funções típicas de segurança
pública com exercício de poder de polícia. Entendimento que não foi alterado
pelo advento da EC nº 82/2014.
6. Desprovimento do recurso extraordinário e fixação, em repercussão
geral, da seguinte tese: é constitucional a atribuição às guardas municipais
do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de
sanções administrativas legalmente previstas.
RELATÓRIO: – O Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas
Gerais formalizou ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de
Justiça local, requerendo a invalidação do inciso VI do artigo 5º da Lei nº
9.319/07 e do Decreto nº 12.615/07, ambos do Município de Belo Horizonte.
Transcrevo o teor dos dispositivos impugnados:
Lei Municipal nº 9.319/07
Art. 5º. Compete à Guarda Municipal de Belo Horizonte:
(...)
VI – atuar na fiscalização, no controle e na orientação do
trânsito e do tráfego, por determinação expressa do Prefeito;
Decreto nº 12.615/07
Art. 1º. Por força do disposto no inciso VI do art. 5º da Lei
nº 9.319, de 19 de janeiro de 2007,
a Guarda Municipal fica designada para atuar na
fiscalização, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego no âmbito do
Município de Belo Horizonte, devendo anteriormente adotar as seguintes medidas:
I – separação de um contingente para o exercício concomitante
desta tarefa com as demais atribuições da Guarda Municipal;
II – treinamento específico para realização desta função.
O Procurador-Geral de Justiça alegou não ter a guarda municipal
atribuição para exercer a fiscalização do trânsito em geral, autuar condutores
nem aplicar multas de trânsito, considerado o disposto nos artigos 144, § 8º,
da Constituição Federal (Art. 144.
A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...).
§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à
proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.) e 138
da Carta do Estado de Minas Gerais (Art. 138. O Município pode constituir
guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, nos
termos do art. 144, § 8º, da Constituição da República). Sustentou serem os
aludidos atos administrativos de competência da Polícia Militar, ante os
preceitos dos artigos 144, § 5º, da Lei Maior (Art. 144. (...). §
5º. às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em
lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil) e 142, “inciso I”, do segundo
Diploma (Art. 142. A
Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, forças públicas estaduais, são
órgãos permanentes, organizados com base na hierarquia e na disciplina
militares e comandados, preferencialmente, por oficial da ativa do último
posto, competindo: I – à Polícia Militar, a polícia ostensiva de prevenção
criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de
mananciais e as atividades relacionadas com a preservação e restauração da
ordem pública, além da garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e
entidades públicos, especialmente das áreas fazendária, sanitária, de proteção
ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural;). Afirmou não
abranger a fiscalização referida no artigo 23, inciso III, do Código de
Trânsito Brasileiro (Art. 23. Compete às Polícias Militares dos
Estados e do Distrito Federal: (...) III – executar a fiscalização de trânsito,
quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos
de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes
credenciados;) (Lei nº 9.503/97) – para a qual se exige a celebração de
convênio – a realizada nas vias públicas, por ser inerente ao controle
ostensivo de trânsito, cuja competência pertence à Polícia Militar. Aduziu
violar o princípio da eficiência (artigos 37, cabeça, da Constituição Federal (Art.
37. A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:)e 13 da Carta estadual (Art. 13. A atividade de
administração pública dos Poderes do Estado e a de entidade descentralizada se
sujeitarão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, eficiência e razoabilidade.) ) conferir a mesma
atribuição (polícia de trânsito) a duas entidades diferentes – a guarda
municipal e a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTRANS),
que, em virtude da celebração de convênio entre o Estado de Minas Gerais e o
Município, ficou encarregada de aplicar sanções e proceder à arrecadação das
multas correspondentes. Apontou poderem os entes locais optar por quadro
próprio de agentes de trânsito ou pela formalização de convênio com o Estado,
na forma do artigo 23, inciso III, do Código de Trânsito, a fim de que a
Polícia Militar execute a fiscalização de trânsito.
O Município de Belo Horizonte, por meio da Câmara Municipal e da
Procuradoria-Geral, apresentou informações, defendendo a validade dos atos
atacados. Arguiu a competência do ente municipal para legislar sobre assuntos
de interesse local e organizar e prestar serviços públicos também nesse âmbito,
incluído o transporte coletivo (artigo 30, incisos I e V, da Carta Federal (Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar
sobre assuntos de interesse local; (...) V - organizar e prestar, diretamente
ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse
local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;) ). Asseverou
mostrar-se mais racional dispensar a Polícia Militar de funções meramente
administrativas e concentrar a atuação do órgão em atividades ligadas à
segurança da população. Salientou não haver usurpação da competência dessa
última, tendo em conta o fato de a regra do § 5º do artigo 144 da Carta Federal
não impedir outros órgãos e entidades de desempenharem a polícia de trânsito.
Esclareceu não ser taxativo o rol de atribuições conferidas pelo § 8º do artigo
144 do Texto Constitucional à guarda municipal. Sublinhou que estabelecer a
mesma competência a um órgão integrante da Administração direta e a uma
entidade da Administração indireta não viola a Constituição Federal, porquanto
o artigo 175 (Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da
lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação, a prestação de serviços públicos.) dela constante autoriza a
prestação de serviços públicos diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão.
A Câmara Municipal ponderou referirem-se as normas questionadas
apenas à fiscalização, ao controle e à orientação do trânsito, providências
ligadas à proteção do patrimônio municipal, não havendo permissão para
autuação, tampouco para lançamento de multas, atos de competência dos órgãos de
trânsito municipais e da Polícia Militar.
A Procuradoria-Geral do Município, ao contrário, destacou caber
à guarda municipal não só o policiamento e a fiscalização, como também a
aplicação de penalidades de trânsito, por serem atribuições decorrentes de
delegação legítima ao Município, presentes o interesse local e a existência de
previsão expressa no Código de Trânsito Brasileiro (artigo 24, incisos VI, VII,
VIII, IX e XX (Art. 24. Compete aos órgãos e entidades
executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (...) VI
- executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas
administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada
previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações
de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os
infratores e arrecadando as multas que aplicar; VIII - fiscalizar, autuar e
aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações
por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e
arrecadar as multas que aplicar; IX - fiscalizar o cumprimento da norma contida
no art. 95, aplicando as penalidades e arrecadando as multas nele previstas;
(...) XX - fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos pelos
veículos automotores ou pela sua carga, de acordo com o estabelecido no art.
66, além de dar apoio às ações específicas de órgão ambiental local, quando
solicitado;) ).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por maioria, julgou
improcedentes os pedidos, em acórdão assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI E DECRETO MUNICIPAIS.
GUARDA MUNICIPAL. PODER DE ATUAÇÃO. POLICIAMENTO DO TRÂNSITO E IMPOSIÇÃO DE
SANÇÃO PECUNIÁRIA AOS INFRATORES. POSSIBILIDADE. REPRESENTAÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE. 1. Em consonância com o posicionamento adotado pelo Supremo
Tribunal Federal, o Município detém competência para coibir o estacionamento em
locais proibidos, inclusive com competência para impor multas, ou seja, sanção
pecuniária de caráter administrativo. 2. Não basta só a fiscalização: uma
fiscalização sem sanção não significa nada; do contrário. Ela nem precisaria
existir. 3. Desta forma, a aprovação do projeto de Lei pelo legislativo local,
sancionado pelo Prefeito Municipal, vem apenas atender a uma realidade do Município
de Belo Horizonte. 4. Representação julgada improcedente.
Assentou não violar a Constituição a competência, conferida à
guarda municipal, de autuar e aplicar multas de trânsito. Realçou o
esvaziamento da utilidade da fiscalização quando se retira dos agentes de
controle o poder sancionador. Consignou que a autuação e a apenação mostram-se
inerentes ao poder de polícia. Esclareceu ser a criação da instituição uma
necessidade histórica da realidade do Município de Belo Horizonte, tendo em
conta a complexidade do trânsito típica das grandes cidades. Destacou a
existência de norma federal reconhecendo não se tratar de competência privativa
da Polícia Militar lavrar autos de infração e aplicar multas de trânsito
(artigo 280, § 4º, do Código de Trânsito (Art. 280. (...). §
4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração
poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar
designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de
sua competência.) ). Asseverou disciplinar o ente local, ao legislar sobre a
fiscalização do trânsito e do tráfego nas ruas da capital, o uso de patrimônio
municipal, no que não há inconstitucionalidade. Afirmou haver previsão
expressa, no Código de Trânsito Brasileiro, de aplicação de sanções pelos
órgãos e entidades de trânsito municipal (artigo 24, incisos V a VIII).
Ressaltou a harmonia das normas atacadas com o Texto Constitucional, pois, ao
controlar e fiscalizar o trânsito nas ruas, praças, avenidas e outras vias de
circulação – bens integrantes do patrimônio público municipal –, a guarda
municipal está cumprindo o preceito do artigo 144, § 8º, da Carta Federal.
Embargos de declaração interpostos foram desprovidos.
No extraordinário de folha 357 a 411, o Ministério Público do Estado de
Minas Gerais reproduz os argumentos lançados na inicial. Acrescenta haver o
acórdão recorrido implicado ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal, ante a omissão relativa ao exame da contrariedade ao artigo 144, § 5º
e § 8º, da Lei Maior, presente alegado rol taxativo das atribuições da guarda
municipal e da Polícia Militar. Inova arguindo a inobservância do princípio
federativo, tendo em conta a redução da autonomia do Estado-membro provocada
por restrições impostas ao poder-dever de fiscalização da Polícia Militar
decorrentes da ampliação das atribuições da guarda municipal.
O Município de Belo Horizonte, nas contrarrazões de folha 417 a 427, subscritas pela
Procuradoria-Geral do Município, e nas de folha 429 a 441, elaboradas pela
Câmara Municipal, sustenta a manutenção da decisão atacada.
O recurso foi admitido na origem mediante a decisão de folhas
443 e 444.
No Supremo, o processo,
inicialmente distribuído ao ministro Dias Toffoli, foi a mim redistribuído, com
base no artigo 325-A do Regimento, porquanto a repercussão geral da matéria
veio a ser reconhecida no Recurso Extraordinário nº 637.539, da minha relatoria
(decisão de folha 457 e de folhas 462 e 463) (Tema nº 472.).
Por meio do ato de folhas 465 e 466, determinei a substituição
do aludido paradigma por este recurso, em virtude da homologação de pedido de
desistência formalizado no processo.
A Procuradoria Geral da República, no parecer de folha 471 a 477, opinou pelo
provimento do extraordinário. Enfatiza não caber à legislação local atribuir à
guarda municipal funções de polícia de trânsito, em desrespeito ao artigo 144,
§ 8º, da Carta Federal. Sublinha restringir o dispositivo constitucional as
tarefas da guarda municipal à vigilância de bens e serviços do Município. Evoca
julgados do Supremo no sentido de mostrar-se taxativo o rol de órgãos de
segurança pública versados na cabeça do artigo 144 (Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2.827, da relatoria do ministro Gilmar Mendes, e Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 236, da relatoria do ministro Octavio
Gallotti.), entre os quais não se inclui a guarda municipal. Argumenta que, por
envolver monopólio de força bruta do Estado, as funções de fiscalização,
controle e orientação do trânsito são da competência da Polícia Militar.
Salienta haverem os atos municipais impugnados contrariado o sistema
constitucional de repartição de competências, pois, ao conferirem aos guardas
municipais as relacionadas à fiscalização do trânsito, disciplinaram matéria
reservada privativamente à União (artigo 22, inciso XI, da Constituição
Federal). Ressalta não constar a guarda municipal no artigo 7º do Código de
Trânsito Brasileiro (Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito
os seguintes órgãos e entidades: I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN,
coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo; II - os Conselhos
Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal -
CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores; III - os órgãos e
entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios; IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; V - a Polícia Rodoviária
Federal; VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e VII -
as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI.), entre os órgãos
integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, havendo, no tocante aos
municípios, apenas alusão a “órgãos e entidades executivos de trânsito” e
“órgãos e entidades executivos rodoviários” (artigo 7º, incisos III e IV), que,
segundo diz, deveriam ter exclusivamente competências de trânsito. Por fim,
destaca que a orientação firmada pela Segunda Turma do Supremo, no julgamento
do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 191.363, da relatoria do
ministro Carlos Velloso, não respalda as conclusões veiculadas no acórdão
recorrido, no que assentada legítima a atuação do município em matéria de
“infração de posturas municipais”, que não se confunde com “infrações de
trânsito”.
É o relatório.
VOTO: – Na interposição do recurso, atendeu-se aos pressupostos
de recorribilidade. A peça, subscrita por Procuradora de Justiça e por Promotor
de Justiça, atuando como fiscais da lei e ante o interesse público, foi
protocolada no prazo legal. Conquanto o extraordinário tenha origem em ação
direta de inconstitucionalidade estadual, nas razões do recurso, arguiu-se, a
par da violência ao artigo 93, inciso IX, a violação às normas dos artigos 144,
§ 5º e § 8º, 37, cabeça, e 18 da Constituição Federal, preceitos de reprodução
obrigatória nas Cartas estaduais. A repercussão geral da questão foi
reconhecida. Conheço.
De início, afasto a alegação de ofensa ao artigo 93, inciso IX,
do Texto Constitucional por entender ter sido amplamente debatida, na origem, a
questão relacionada às competências da Polícia Militar e da guarda municipal.
Conforme decidido no Recurso Extraordinário nº 128.519, por mim relatado, o
prequestionamento prescinde da referência, no acórdão impugnado mediante o
extraordinário, a artigo, parágrafo, inciso e alínea de diploma normativo,
sendo suficientes o debate e a decisão prévios do tema versado nas razões
recursais. Eis a ementa do acórdão do Pleno:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PREQUESTIONAMENTO – ALCANCE DO
INSTITUTO. A exigência do prequestionamento não decorre de simples apego a
determinada forma. A razão de ser está na necessidade de proceder a cotejo
para, somente então, assentar-se o enquadramento do recurso no permissivo
legal. Diz-se prequestionado determinado tema quando o órgão julgador haja
adotado entendimento explícito a respeito, contando a parte sequiosa de ver o
processo guindado à sede extraordinária com remédio legal para compeli-lo a
tanto - os embargos declaratórios. A persistência da omissão sugere hipótese de
vício de procedimento. Configura-se deficiência na entrega da prestação
jurisdicional, o que tem contorno constitucional, pois à garantia de acesso ao
Judiciário há que ser emprestado alcance que afaste verdadeira incongruência,
ou seja, o enfoque de que, uma vez admitido, nada mais é exigível, pouco
importando a insuficiência da atuação do Estado-Juiz no dirimir a controvérsia.
Impor para configuração do prequestionamento, além da matéria veiculada no
recurso, a referência ao número do dispositivo legal pertinente, extravasa o
campo da razoabilidade, chegando às raias do exagero e do mero capricho,
paixões que devem estar ausentes quando do exercício do oficio judicante.
(…). (Recurso Extraordinário nº 128.519, Relator ministro Marco
Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 27/09/1990)
No mais, não subsiste o argumento de usurpação da competência da
Polícia Militar, prevista no § 5º do artigo 144 da Carta Federal, e de
inobservância ao princípio federativo (artigos 1º e 18 da Lei Maior). O fato de
o constituinte ter atribuído a essa instituição o policiamento ostensivo e a
preservação da ordem pública não impede os entes municipais de fiscalizarem o
cumprimento da legislação de trânsito nem de desempenharem outras funções
estabelecidas pela União no Código de Trânsito (artigo 22, inciso XI, da
Constituição Federal). Não vejo redução de autonomia do Estado-membro – mas
simples cooperação – na atuação repressiva dos municípios no combate às
infrações de trânsito. Os entes federativos devem se esforçar, para, nos
limites das competências de cada qual, assegurarem a efetividade das normas de
trânsito.
No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº
191.363, da relatoria do ministro Carlos Velloso, muito embora se tenha
diferenciado “infração de posturas municipais” de “infrações de trânsito” –
como apontou a Procuradoria Geral da República –, a Segunda Turma do Supremo
proclamou que:
na área de jurisdição, na organização do serviço local de
trânsito, que se incluía e ainda se inclui em assunto de seu peculiar
interesse, o Município tem competência quanto ao trânsito, inclusive,
evidentemente, para impor e arrecadar multas decorrentes das infrações que
ocorrem.
A União, no exercício da competência privativa para legislar
sobre trânsito (artigo 22, inciso XI, da Carta Federal (Art. 22.
Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XI - trânsito e
transporte;) ), editou o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) e
incumbiu expressamente os órgãos e entidades executivos de trânsito municipais
de cumprirem e fazerem cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito
das respectivas atribuições (artigos 21, inciso I (Art. 21. Compete
aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: I - cumprir
e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas
atribuições;), e 24, inciso I); executarem a fiscalização de trânsito,
autuarem, aplicarem as penalidades de advertência, por escrito, e ainda as
multas e medidas administrativas cabíveis, notificando os infratores e
arrecadando as multas que aplicarem (artigo 21, inciso VI (Art. 21. Compete aos
órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (...) VI - executar a
fiscalização de trânsito, autuar, aplicar as penalidades de advertência, por
escrito, e ainda as multas e medidas administrativas cabíveis, notificando os
infratores e arrecadando as multas que aplicar;) ); executarem a fiscalização
de trânsito, autuarem e aplicarem as medidas administrativas cabíveis, por
infrações de circulação, estacionamento e parada previstas no Código de
Trânsito, no exercício regular do poder de polícia de trânsito (artigo 24,
inciso VI); aplicarem as penalidades de advertência por escrito e multa, por
infrações de circulação, estacionamento e parada previstas na Lei nº 9.503/97,
notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar (artigo 24,
inciso VII); fiscalizarem, autuarem e aplicarem as penalidades e medidas
administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e
lotação dos veículos, bem como notificarem e arrecadarem as multas que
aplicarem (artigo 24, inciso VIII); fiscalizarem o cumprimento da norma contida
no artigo 95 do Código de Trânsito, aplicando as penalidades e arrecadando as
multas nele previstas (artigo 24, inciso IX). (Art. 24. Compete
aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua
circunscrição: I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito,
no âmbito de suas atribuições; (...); VI - executar a fiscalização de trânsito,
autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de
circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício
regular do Poder de Polícia de Trânsito; VII - aplicar as penalidades de
advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e
parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as
multas que aplicar; VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e
medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso,
dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que
aplicar; IX - fiscalizar o cumprimento da norma contida no art. 95, aplicando
as penalidades e arrecadando as multas nele previstas; Art. 95. Nenhuma obra ou
evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e
pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão
prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.)
O próprio recorrente, às folhas 371 e 372, admitiu a competência
dos entes locais para fiscalizar, controlar e organizar o trânsito local.
Some-se a isso a promulgação da Emenda Constitucional nº
82/2014, que acrescentou o § 10 ao artigo 144 da Lei Maior, com a seguinte
redação:
Art. 144. (...).
§ 10. A
segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:
I – compreende a educação, engenharia e fiscalização de
trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão
o direito à mobilidade urbana eficiente; e
II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de
trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.
Assentada a atribuição dos Municípios para fiscalizar e aplicar
multas de trânsito, fica afastada a alegação de competência privativa da
Polícia Militar – órgão integrante da Administração estadual – para a autuação
e imposição de penalidades por descumprimento da legislação de trânsito.
O § 4º do artigo 280 do Código de Trânsito, na mesma linha,
dispõe ser competente para lavrar o auto de infração “servidor civil,
estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade
de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”.
A afirmação da Procuradoria Geral da República de não poderem as
guardas municipais aplicar multas por não integrarem o sistema previsto no
artigo 7º do Código de Trânsito também não merece prosperar. Não existe
preceito, na Lei nº 9.503/97, a preconizar que os órgãos executivos municipais
citados nos incisos III e IV do artigo 7º do diploma federal tenham somente
atribuições relativas a trânsito. Nem poderia. A União, a pretexto de exercer a
competência privativa do artigo 22, inciso XI, da Carta Federal, não pode
restringir a autonomia dos municípios a ponto de dispor sobre atribuições de órgãos
e estruturas do Poder Executivo local. A capacidade de autoadministração
integra o núcleo essencial da autonomia municipal. Transcrevo as lições do
professor José Afonso da Silva acerca da questão:
A autonomia municipal,
assim, assenta em quatro capacidades:
(a) capacidade de auto-organização, mediante a
elaboração de lei orgânica própria;
(b) capacidade de autogoverno, pela eletividade do
Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais;
(c) Capacidade normativa própria, ou capacidade de
autolegislação, mediante a competência de elaboração de leis municipais sobre
áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar;
(d) Capacidade de autoadministração (administração
própria, para manter e prestar serviços de interesse local).
Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia
política (capacidades de auto-organização e de autogoverno), a autonomia
normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua
competência), a autonomia administrativa (administração própria e
organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de
decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma
característica da autoadministração).
(...)
Veja-se a diferença fundamental da outorga da autonomia
municipal: as normas constitucionais anteriores sobre ela se dirigiam aos
Estados-membros, porque estes é que deveriam organizá-los, assegurando-a, mas,
aí, se reservavam a eles poderes sobre os Municípios, que agora já não têm: o
poder de organizá-los, de definir suas competências, a estrutura e competência
do governo local e os respectivos limites. (SILVA, José Afonso da. Curso de
direito constitucional positivo. 32ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
641)
Os municípios não estão impedidos de qualificarem como “órgão ou
entidade executivo de trânsito” ou “órgão ou entidade executivo rodoviário”
estruturas da administração local titulares de outras competências não
relacionadas ao trânsito.
Assento as premissas deste voto: os entes municipais têm
competência para exercer a fiscalização, a orientação e o controle do trânsito,
inclusive com a aplicação de sanções, respeitados os limites estabelecidos pela
legislação federal, editada com base no artigo 24, inciso XI, da Lei Maior. Não
se extrai do artigo 144, § 5º, do Texto Constitucional competência exclusiva da
Polícia Militar na autuação e na aplicação de multas de trânsito. Os municípios
não estão proibidos de qualificarem como “órgão ou entidade executivo de
trânsito” ou “órgão ou entidade executivo rodoviário” estruturas da
administração local titulares de outras competências não relacionadas ao
trânsito.
Passo a tratar especificamente da competência da guarda
municipal para atuar como órgão ou entidade executiva de trânsito nos municípios.
O artigo 144, § 8º, da Carta Federal dispõe:
Art. 144. (...)
§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais
destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a
lei.
Ante o preceito, indaga-se: o legislador é livre para definir as
atribuições da guarda municipal? Evidentemente que não. Há, nesse ponto,
vinculação constitucional. A regulamentação legal alusiva às funções dos
guardas municipais apenas se mostra válida se mantiver alguma relação com a
proteção dos bens, serviços e instalações do município.
Mas não é só isso. Considerada a competência privativa da União
para legislar sobre trânsito e transporte (artigo 22, inciso XI, do Texto
Constitucional), qualquer norma local a versar os deveres da guarda municipal
deve observar as regras contidas na Lei nº 9.503/97.
Definidas as balizas constitucionais das atribuições da guarda
municipal, pergunta-se: pode a lei conferir-lhe a prerrogativa de promover
autuações e aplicar multas de trânsito?
É preciso verificar, em primeiro lugar, se as atividades de
prevenção e repressão a infrações de trânsito têm alguma relação com a proteção
dos bens, serviços e instalações do município.
Nessa análise, deve-se levar em conta constituírem ruas,
avenidas, praças, logradouros e equipamentos públicos patrimônio municipal. É
inegável que o cumprimento de algumas normas do Código de Trânsito produz
efeitos diretos e imediatos sobre as vias e passeios públicos. Imagine-se um
carro estacionado irregularmente sobre um jardim mantido pela Prefeitura.
Ninguém duvida dos danos passíveis de ocorrer no tocante à instalação pública
em razão do desrespeito à norma proibitiva do estacionamento naquela área.
Também não se questiona que a circulação de veículos com peso acima dos
parâmetros legais pode provocar graves prejuízos à pavimentação da via pública.
Da mesma forma, não se podem negar os transtornos causados aos serviços de
transporte mantidos pelo município (artigo 30, inciso V, da Lei Maior (Art.
30. Compete aos Municípios: (...) V - organizar e prestar, diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local,
incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;) ), quando
veículos estacionam em local proibido ou quando a realização de obras ou
eventos, sem autorização do órgão responsável de trânsito, perturbe ou
atrapalhe a circulação de veículos e pedestres. Automóveis, trafegando acima do
limite de velocidade, podem colidir com instalações e equipamentos públicos
municipais (postes, grades, sinais, placas de sinalização, monumentos, etc),
danificando-os.
Em todos esses casos, de cunho exemplificativo e não exaustivo,
o exercício da polícia de trânsito – a abranger tanto a fiscalização, como a
apenação – mantém estreita ligação com a proteção de bens, serviços e
instalações municipais. Observem que a fiscalização, desacompanhada do poder
sancionador, esvazia a força conformativa da norma que a prevê e, nesses casos,
põe em risco patrimônio e serviços municipais.
Estabelecida a conexão entre a atuação da guarda municipal e a
proteção dos bens, serviços e instalações do município, afasta-se o óbice do
artigo 144, § 8º, da Carta Federal evocado pelo recorrente.
Deve-se analisar, em segundo lugar, se o exercício da polícia de
trânsito por guardas municipais está em harmonia com a legislação federal,
considerada a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e
transporte (artigo 22, inciso XI). Não podem os municípios criar atribuições
para a guarda municipal em desarmonia com as regras editadas pelo Congresso
Nacional. A propósito, transcrevo os seguintes preceitos do Código de Trânsito
Brasileiro:
Art. 21. Compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua
circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de
trânsito, no âmbito de suas atribuições;
(...)
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar, aplicar as
penalidades de advertência, por escrito, e ainda as multas e medidas
administrativas cabíveis, notificando os infratores e arrecadando as multas que
aplicar;
(...)
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito
dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de
trânsito, no âmbito de suas atribuições;
(...)
V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva
de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as
medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e
parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de
Trânsito;
VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa,
por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código,
notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas
administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e
lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar;
IX - fiscalizar o cumprimento da norma contida no art. 95,
aplicando as penalidades e arrecadando as multas nele previstas;
(...)
Art. 95. Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou
interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua
segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito
com circunscrição sobre a via.
(...)
Art. 280. (...).
(...).
§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar
o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou,
ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição
sobre a via no âmbito de sua competência.
Reproduzo, ainda, dispositivos da Lei federal nº 13.022, de 8 de
agosto de 2014, que instituiu, recentemente, o chamado “Estatuto Geral das
Guardas Municipais”:
Art. 3º São princípios mínimos de atuação das guardas
municipais:
(...)
III - patrulhamento preventivo.
(...)
Art. 4º É competência geral das guardas municipais a proteção
de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município.
Parágrafo único. Os bens mencionados no caput abrangem os de
uso comum, os de uso especial e os dominiais.
Art. 5º São competências específicas das guardas municipais,
respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:
(...);
VI - exercer as competências de trânsito que lhes forem
conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei no 9.503, de
23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma
concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou
municipal;
A União, na competência legislativa privativa prevista no artigo
22, inciso XI, da Constituição Federal, não proibiu a guarda municipal de
aplicar multas de trânsito. Ao contrário: os artigos 280, § 4º, do Código de
Trânsito Brasileiro e 3º, inciso III, e 5º, inciso VI, da Lei nº 13.022/14
autorizaram os guardas municipais a exercerem as atribuições de trânsito que
lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, observados os limites
estabelecidos pelo Código de Trânsito.
O quadro normativo revela a possibilidade de guardas municipais
aplicarem multas de trânsito, nos casos em que se verificar conexão entre a
repressão ao ato infracional e a proteção de bens, serviços e instalações
municipais.
Não se extrai do Texto Constitucional, nem da legislação federal
editada pela União, com base no artigo 22, inciso XI, vedação ao controle e
fiscalização do trânsito, tampouco à aplicação de multas, por guardas
municipais.
Por outro lado, afigura-se incompatível com os artigos 144, §
8º, e 22, inciso XI, da Lei Maior reconhecer à guarda municipal o poder para
fiscalizar todo e qualquer tipo de infração de trânsito, impondo sanções. A
guarda municipal não pode atuar na repressão de infrações de trânsito quando
não estiver em jogo a proteção de bens, serviços e equipamentos municipais, nem
ultrapassar as fronteiras da competência dos municípios fixadas pela legislação
federal.
Essa circunstância conduz a conferir-se interpretação conforme à
Constituição aos dispositivos atacados pelo Ministério Público estadual, de
forma a restringir as competências da guarda municipal consideradas as balizas
estabelecidas acima.
Por conta dos limites à atuação da guarda municipal em matéria
de trânsito, afasto a alegação de contrariedade ao princípio da eficiência. As
atribuições da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte – BHTRANS,
ao menos sob a perspectiva constitucional, não se reduzem à proteção de bens,
serviços e instalações municipais, no que não haveria sobreposição de funções
entre as duas instituições. Notem, a propósito, que o empréstimo de poderes
relativos à polícia de trânsito a pessoas jurídicas de direito privado – como a
BHTRANS – é de duvidosa constitucionalidade, tendo sido reconhecida a
repercussão geral do tema no Recurso Extraordinário com Agravo nº 662.186 (Em
2014, ante o provimento do agravo, o processo foi reautuado como Recurso
Extraordinário nº 840.230.), da relatoria do ministro Luiz Fux, submetido ao
regime dos artigos 543-A e 543-B do Código de Processo Civil, ainda pendente de
julgamento.
Ante o quadro, dou parcial provimento ao extraordinário para
julgar procedente em parte o pedido formalizado na ação direta e dar
interpretação conforme aos dispositivos impugnados, de maneira a restringir a
atribuição da guarda municipal para exercer a fiscalização e o controle do
trânsito aos casos em que existir conexão entre a atividade a ser desempenhada
e a proteção de bens, serviços e equipamentos municipais, respeitando-se os
limites das competências municipais versados na legislação federal.
Proponho a seguinte tese para efeito de repercussão geral: é
constitucional a lei local que confira à guarda municipal a atribuição de
fiscalizar e controlar o trânsito, com a possibilidade de imposição de multas,
desde que observada a finalidade constitucional da instituição de proteger
bens, serviços e equipamentos públicos (artigo 144, § 8º, da Carta de 1988) e
limites da competência municipal em matéria de trânsito, estabelecidos pela
legislação federal (artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal).
É como voto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário