Cuida-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região mediante o qual se considerou inconstitucional o art. 7º, inciso I, da Lei 10.865/04 na parte em que se define a base de cálculo do PIS e da COFINS incidentes sobre a importação como sendo “o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3º desta Lei”.
Os principais argumentos suscitados nas razões do extraordinário foram os seguintes: (i) a determinação de que fosse acrescido ao valor básico do imposto de importação o valor do ICMS e das próprias contribuições não implicou modificação do sentido normativo de ‘valor aduaneiro’; não obstante, o legislador ordinário poder, “ para específicos efeitos fiscais[,] modificar conceitos legais, como sucede com o signo valor aduaneiro”; (ii) a norma em apreço buscou atender o Princípio da “Isonomia, dando um tratamento tributário igual aos bens produzidos e serviços prestados no País, que sofrem a incidência da Contribuição do PIS-PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), e os bens e serviços importados de residentes ou domiciliados no exterior, que passam a ser tributados às mesmas alíquotas dessas contribuições”.
Na sessão de 20/10/10, a ilustre Relatora Ministra Ellen Gracie negou provimento ao recurso da União, reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/04 na parte em que dispõe ser a base de cálculo das contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação o valor aduaneiro “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Em revisãoRE 559937 / RS Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições” , por violação ao art. 149, § 2º, III, a, da Constituição Federal.
Visando a uma melhor análise do caso, pedi vista dos autos. Inicialmente, do ponto de vista formal, observo que as denominadas contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação foram instituídas com fundamento nos arts. 149, § 2º, II; e 195, IV, da Constituição Federal, os quais consagraram a possibilidade de instituição de contribuições sociais incidentes sobre a importação de bens e serviços estrangeiros.
Portanto, é perfeitamente constitucional a instituição da COFINS-Importação e do PIS/PASEP-Importação mediante lei ordinária, pois o art. 195, § 4º, da Constituição Federal, que subordina a instituição de novas fontes de custeio à edição de lei complementar (art. 154, I, CF) está a se referir às hipóteses de novas contribuições, isto é, àquelas que não estão previstas no texto constitucional vigente, o que não ocorre com as contribuições em apreço, as quais foram, prévia e expressamente, previstas nos já citados arts. 149, § 2º, II; e 194, IV, da Carta Magna. Essa tem sido a posição desta Corte, como se vê no RE nº 138.284/CE,
da relatoria do Ministro Carlos Velloso, Pleno, DJ de 28/8/92, o qual, ao tratar da contribuição social sobre o lucro, instituída pela Lei nº 7.689/88, assentou que “ As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parag. 4. do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parag. 4.; C.F., art. 154, I).
da relatoria do Ministro Carlos Velloso, Pleno, DJ de 28/8/92, o qual, ao tratar da contribuição social sobre o lucro, instituída pela Lei nº 7.689/88, assentou que “ As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parag. 4. do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parag. 4.; C.F., art. 154, I).
No tocante à questão trazida ao crivo desta Corte, observo que essa diz respeito, exclusivamente, à constitucionalidade ou não do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/04, que dispõe integrar a base de cálculo das contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação o valor aduaneiro“acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no 2 Em revisão RE 559937 / RS desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”.
É de se considerar, então, se a norma em comento encontra fundamento de validade no § 2º, III, a, do art. 149 da Constituição Federal, o qual preceitua que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico “poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro”(grifei).
Vejamos o texto do referido art. 149 da Constituição Federal:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o
disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(...)§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
(...)
II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços;
III – poderão ter alíquotas:
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;
b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.”
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;
b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.”
Ao analisar o comando constitucional, não vejo como interpretar as bases econômicas ali mencionadas como meros pontos de partida para a tributação, porquanto a Constituição, ao outorgar competências tributárias, o faz delineando os seus limites. Ao dispor que as contribuições sociais e interventivas poderão ter alíquotas “ ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e , no caso de importação, o valor aduaneiro”, o art. 149, § 2º, III, “a”, CF utilizou termos técnicos inequívocos, circunscrevendo a tais bases a respectiva competência tributária.
Portanto, a meu ver, não se sustenta o argumento de que tal dispositivo estaria estabelecendo o valor aduaneirotão somente como uma base mínima para a tributação. Na verdade, essa norma delimita, por inteiro, a base de cálculo das contribuições sociais a ser adotada nos casos de importação. Trata-se, assim, de comando dirigido ao legislador ordinário que revela a grandeza econômica que pode ser onerada - o valor aduaneiro- quando se verifica o fato jurídico “realizar operações de importação de bens”.
Sobre o conceito de valor aduaneiro, registro que, quando da edição da já citada EC nº 33/01, que, combinada com a EC nº 42/03, passaram a permitir a incidência do PIS/COFINS sobre a importação, o referido conceito já estava definido no art. 2º do Decreto-Lei nº 37/66, que dispõe sobre a base de cálculo do imposto de importação e remete, nos casos de alíquota ad valorem(inciso II), ao conceito de valor aduaneiro “ apurado segundo as normas do art. 7º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT”.
A propósito, Eurico Marcos Diniz de Santi (Revista Dialética de Direito Tributário nº 121, p. 42), ao analisar a materialidade das contribuições em apreço, traçou os limites do conceito de ‘valor aduaneiro’ nos seguintes termos:
“É o conceito de ‘valor aduaneiro’ que demarca, com precisão, a identidade (e intensidade) da cobrança tributária. Daí a disputa conceptual em torno do sentido e do alcance do termo utilizado na atribuição de competência à União Federal.”
(...)
Neste sentido destacam-se as disposições do Acordo sobre a Implementação do artigo VII do GATT, também conhecido como Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), que disciplina os parâmetros para aferição da base de cálculo nas operações de comércio internacional. Logo na introdução, este diploma normativo determina que ‘a primeira base para a determinação do valor aduaneiro há de ser o valor da transação’.
O artigo primeiro, a que remete a introdução do acordo, cuida, portanto, de traçar o núcleo conceptual a ser perseguido na aferição do valor aduaneiro”. Tal norma vem igualmente prevista no art. 75, inciso I do Decreto nº 6.759, de 5/2/09 que atualmente regulamenta a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior, que igualmente dispõe que a base de cálculo do imposto “quando a alíquota for ad valorem, o valor aduaneiro apurado segundo as normas do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT 1994”.
Portanto, na ausência de estipulação expressa do conteúdo semântico da expressão ‘valor aduaneiro’ pela EC nº 42/03, há de se concluir que o sentido pressuposto, e incorporado pela Constituição Federal, quando da utilização do termo para conferir competência legislativa tributária à União, remete àquele já praticado no discurso jurídico-positivo preexistente à sua edição.
Nessa linha, a simples leitura das normas contidas no art. 7º da Lei nº 10.865/04, objeto de questionamento, já permite constatar que a base de cálculo das contribuições sociais sobre a importação de bens e serviços extrapolou o aspecto quantitativo da incidência delimitado na Constituição Federal, ao acrescer ao valor aduaneiro o valor dos tributos incidentes, inclusive o das próprias contribuições. Importa deixar claro, na esteira do que já exposto, que a Lei nº10.865/04 não alterou ou inovou o conceito de ‘valor aduaneiro’, base de cálculo do Imposto de Importação, tal como pactuado no Acordo deValoração Aduaneira, de modo a abranger, para fins de apuração das contribuições para o PIS/PASEP-Importação e COFINS-importação, outras grandezas nele não contidas. Como bem ressaltou a Ilustre Relatora, “o que fez, sim, foi desconsiderar a imposição constitucional de que as contribuições sociais sobre a importação, quando tenham alíquota ad valorem, sejam calculadas com base no valor aduaneiro. Extrapolando a norma do art. 149, § 2º, III, a, da Constituição Federal, determinou que as contribuições fossem calculadas não apenas sobre o valor aduaneiro, mas, também, sobre o valor do ICMS-Importação e sobre o valor das próprias contribuições instituídas ”.
A postura deste Supremo Tribunal Federal, em que pesem as reiteradas tentativas no sentido de expandir, via lei ordinária, o conteúdo e o alcance de conceitos utilizados pela Constituição Federal para atribuir competências legislativas, é a de que se deve preservar o sentido empregado no sistema de Direito positivo ao tempo da outorga constitucional.
Vários são os exemplos nesse sentido, valendo citar o RE nº 166.722/RS, em que se declarou a inconstitucionalidade do art. 3º, I, da Lei nº 7.787/89, que, a pretexto de atribuir competência para instituir contribuições sociais incidentes sobre a “folha de salários” (art. 195, I, “a”, CF), incluiu no âmbito de incidência os valores pagos a “autônomos e administradores”.
Por fim, quanto ao princípio maior da isonomia, observo que esse foi invocado, já na exposição de motivos da Medida Provisória nº 164, que originou a lei em discussão, como fundamento de validade à tributação em causa, a qual buscaria equalizar, mediante tratamento tributário isonômico, a tributação dos bens produzidos no país com os importados de residentes e domiciliados no exterior, “ sob pena de prejudicar a produção nacional, favorecendo as importações pela vantagem comparativa proporcionada pela não incidência hoje, existente, prejudicando o nível de emprego e a geração de renda no País”.
No entanto, também entendo que o gravame das operações de importação dá-se como medida de política tributária de extrafiscalidade, visando equilibrar a balança comercial e evitar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País e não como concretização do princípio da isonomia, como, aliás, bem lembrou a Ilustre Relatora. De tudo isso se extrai, pois, que a pretensa repercussão econômica não pode subsistir como critério classificatório que possibilite, mediante a invocação da isonomia, justificar constitucionalmente a tributação na forma como pretendida, deixando-se de atender às delimitações impostas pelo texto constitucional, que outorga a competência respectiva.
Ante o exposto, reconhecendo a inconstitucionalidade da parte do art. 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/04 que acresce à base de cálculo da denominada PIS/COFINS-Importação o valor do ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e o das próprias contribuições, acompanho a Ilustre Relatora, negando provimento ao recurso extraordinário.
É como voto.
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