Repercussão Geral
Obras emergenciais em presídios: reserva do possível e separação
de poderes - 1
É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública
obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras
emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado
da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua
integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da CF,
não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio
da separação dos poderes. Essa a conclusão do Plenário, que proveu recurso
extraordinário em que discutida a possibilidade de o Poder Judiciário
determinar ao Poder Executivo estadual obrigação de fazer consistente na
execução de obras em estabelecimentos prisionais, a fim de garantir a
observância dos direitos fundamentais dos presos. O Colegiado assentou
tratar-se, na espécie, de estabelecimento prisional cujas condições estruturais
seriam efetivamente atentatórias à integridade física e moral dos detentos.
Pontuou que a pena deveria ter caráter de ressocialização, e que impor ao
condenado condições sub-humanas atentaria contra esse objetivo. Entretanto, o
panorama nacional indicaria que o sistema carcerário como um todo estaria em
quadro de total falência, tendo em vista a grande precariedade das instalações,
bem assim episódios recorrentes de sevícias, torturas, execuções sumárias,
revoltas, superlotação, condições precárias de higiene, entre outros problemas
crônicos. Esse evidente caos institucional comprometeria a efetividade do
sistema como instrumento de reabilitação social. Além disso, a questão afetaria
também estabelecimentos destinados à internação de menores. O quadro revelaria
desrespeito total ao postulado da dignidade da pessoa humana, em que haveria um
processo de “coisificação” de presos, a indicar retrocesso relativamente à
lógica jurídica atual. A sujeição de presos a penas a ultrapassar mera privação
de liberdade prevista na lei e na sentença seria um ato ilegal do Estado, e
retiraria da sanção qualquer potencial de ressocialização. A temática
envolveria a violação de normas constitucionais, infraconstitucionais e
internacionais. Dessa forma, caberia ao Judiciário intervir para que o conteúdo
do sistema constitucional fosse assegurado a qualquer jurisdicionado, de acordo
com o postulado da inafastabilidade da jurisdição. Os juízes seriam assegurados
do poder geral de cautela mediante o qual lhes seria permitido conceder medidas
atípicas, sempre que se mostrassem necessárias para assegurar a efetividade do
direito buscado. No caso, os direitos fundamentais em discussão não seriam
normas meramente programáticas, sequer se trataria de hipótese em que o
Judiciário estaria ingressando indevidamente em campo reservado à
Administração. Não haveria falar em indevida implementação de políticas
públicas na seara carcerária, à luz da separação dos poderes. Ressalvou que não
seria dado ao Judiciário intervir, de ofício, em todas as situações em que
direitos fundamentais fossem ameaçados. Outrossim, não caberia ao magistrado
agir sem que fosse provocado, transmudando-se em administrador público. O juiz
só poderia intervir nas situações em que se evidenciasse um “não fazer”
comissivo ou omissivo por parte das autoridades estatais que colocasse em
risco, de maneira grave e iminente, os direitos dos jurisdicionados.
RE
592581/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 13.8.2015. (RE-592581)
Obras emergenciais em presídios: reserva do possível e separação
de poderes - 2
O Ministro Edson Fachin ponderou que a cláusula da reserva do
possível somente seria oponível se objetivamente verificado o justo motivo que
tivesse sido suscitado pelo poder público para não realizar o mandamento
constitucional. Seria preciso ponderar que o magistrado não deveria substituir
o gestor público, mas poderia compeli-lo a cumprir o programa constitucional
vinculante, mormente quando se tratasse de preservar a dignidade da pessoa
humana. O Ministro Roberto Barroso aduziu que a judicialização não substituiria
a política, mas haveria exceções, como no caso, em que se trataria de proteger
os direitos de uma minoria sem direitos políticos, sem capacidade de vocalizar
as próprias pretensões. Além disso, se cuidaria de um problema historicamente
crônico de omissão do Executivo, e se o Estado se arrogasse do poder de privar
essas pessoas de liberdade, deveria exercer o dever de proteção dessas pessoas.
O Ministro Luiz Fux reforçou a ideia de que a intervenção judicial seria
legítima se relacionada a obras de caráter emergencial, para proteger a
integridade física e psíquica do preso. A Ministra Cármen Lúcia lembrou que
determinadas políticas, como de melhoria do sistema penitenciário, seriam
impopulares com o eleitorado, mas isso não justificaria o descumprimento
reiterado de um mandamento constitucional. Ademais, não caberia falar em falta
de recursos, tendo em vista a criação do Fundo Penitenciário, para suprir essa
demanda específica. O Ministro Gilmar Mendes salientou que a questão não
envolveria apenas direitos humanos, mas segurança pública. Presídios com
condições adequadas permitiriam melhor policiamento, melhor monitoramento e
dificultariam o crescimento de organizações criminosas nesses locais. Frisou
que a lei contemplaria hipótese de o juiz da execução poder interditar
estabelecimento penal que funcionasse em condições inadequadas ou ilegais, bem
assim que caberia às corregedorias e ao Ministério Público zelar pelo correto
funcionamento desses estabelecimentos. O Ministro Celso de Mello afirmou que a
hipótese seria de excesso de execução — em que o Estado imporia ao condenado
pena mais gravosa do que a prevista em lei —, portanto de comportamento estatal
ao arrepio da lei.
RE
592581/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 13.8.2015. (RE-592581)
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AG. REG. NOS EMB. DIV. NOS EMB. DECL. NO AG. REG. NO ARE
N. 845.201-RS
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: EMBARGOS
DE DIVERGÊNCIA – DESCUMPRIMENTO, PELA PARTE
EMBARGANTE, DO DEVER PROCESSUAL DE PROCEDER AO
CONFRONTO ANALÍTICO DETERMINADO NO ART. 331 DO RISTF –
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – COMPETÊNCIA NORMATIVA
PRIMÁRIA (CF/69, ART. 119, § 3º, “c”) – POSSIBILIDADE
CONSTITUCIONAL, SOB A ÉGIDE DA CARTA
FEDERAL DE 1969, DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DISPOR, EM SEDE
REGIMENTAL, SOBRE NORMAS DE DIREITO PROCESSUAL – RECEPÇÃO,
PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DE TAIS PRECEITOS REGIMENTAIS COM FORÇA
E EFICÁCIA DE LEI (RTJ 147/1010
– RTJ 151/278) – PLENA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO
ART. 331 DO RISTF – RECURSO DE
AGRAVO IMPROVIDO.
– A parte embargante, sob
pena de recusa liminar de processamento dos
embargos de divergência – ou de não conhecimento
destes, quando já admitidos – deve demonstrar,
de maneira objetiva, mediante análise comparativa
entre o acórdão paradigma e a decisão embargada, a existência
do alegado dissídio jurisprudencial, impondo-se-lhe reproduzir, na
petição recursal, para efeito de caracterização do
conflito interpretativo, os trechos que configurariam
a divergência indicada, mencionando, ainda, as circunstâncias
que identificariam ou que tornariam assemelhados os
casos em confronto. Precedentes.
– O Supremo Tribunal
Federal, sob a égide da Carta Política de 1969
(art. 119, § 3º, “c”), dispunha de competência
normativa primária para, em sede meramente
regimental, formular normas de direito processual concernentes ao
processo e ao julgamento dos feitos de sua competência originária ou
recursal. Com a superveniência da Constituição de
1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que
passaram a ostentar força e eficácia
de norma legal (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278), revestindo-se,
por isso mesmo, de plena legitimidade constitucional a exigência
de pertinente confronto analítico entre
os acórdãos postos em cotejo (RISTF, art. 331).
REFERENDO EM MED. CAUT. EM ADPF N. 341-DF
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
Ementa: Direito administrativo. ADPF.
Novas regras referentes ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino
Superior - FIES. Impossibilidade de aplicação retroativa. Liminar referendada.
1. O art. 3º da Portaria
Normativa MEC nº 21/2014 alterou a redação do art. 19 da Portaria Normativa MEC
nº 10/2010, passando a exigir média superior a 450 pontos e nota superior a
zero nas redações do ENEM, como condição para a obtenção de financiamento de
curso superior junto ao Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior
- FIES.
2. O art. 12 da Portaria
Normativa MEC nº 21/2014 previu que as novas exigência entrariam em vigor
apenas em 30.03.2015, muito embora as inscrições para o FIES tenham se iniciado
em 23.02.2015, conforme Portaria Normativa nº 2/2015. Previu-se, portanto, uma
norma de transição entre o antigo e o novo regime jurídico aplicável ao FIES,
possibilitando-se que, durante o prazo da vacatio legis, os
estudantes se inscrevessem no sistema com base nas normas antigas.
3. Plausibilidade jurídica da
alegação de violação à segurança jurídica configurada pela possibilidade de ter
ocorrido aplicação retroativa da norma nova, no que respeita aos estudantes
que: (i) já dispunham de contratos celebrados com o FIES e pretendiam
renová-los; (ii) requereram e não obtiveram sua inscrição no FIES, durante o
prazo da vacatio legis, com base nas regras antigas. Perigo na
demora configurado, tendo em vista o transcurso do prazo para renovação dos
contratos, bem como em razão do avanço do semestre letivo.
4. Cautelar referendada para
determinar a não aplicação da exigência de desempenho mínimo no ENEM em caso
de: (i) renovações de contratos de financiamento; (ii) novas inscrições
requeridas até 29.03.2015.
5. Indeferimento da cautelar
no que respeita aos demais estudantes que requereram seu ingresso no FIES em
2015, após 29.03.2015, aos quais devem ser aplicadas as novas normas.
AG. REG. NA AC N. 2.946-PI
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR. CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. FINANCEIRO. INSCRIÇÃO DE ESTADO-MEMBRO EM CADASTRO DE
INADIMPLENTES. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. ATOS DECORRENTES DE GESTÕES
ANTERIORES. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA SUBJETIVA DAS SANÇÕES.
PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO COLEGIADO. AGRAVO REGIMENTAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O princípio da
intranscendência subjetiva das sanções, consagrado pela Corte Suprema, inibe a
aplicação de severas sanções às administrações por ato de gestão anterior à
assunção dos deveres Públicos. Precedentes: ACO 1.848-AgR, rel. Min. Celso
Mello, Tribunal Pleno, DJe de 6/11/2014; ACO 1.612-AgR, rel. Min. Celso
de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 12/02/2015.
2. É que, em casos como o
presente, o propósito é de neutralizar a ocorrência de risco que possa
comprometer, de modo grave e/ou irreversível, a continuidade da execução de
políticas públicas ou a prestação de serviços essenciais à coletividade.
3. A tomada de contas especial
é medida de rigor com o ensejo de alcançar-se o reconhecimento definitivo de
irregularidades, permitindo-se, só então, a inscrição do ente nos cadastros de
restrição ao crédito organizados e mantidos pela União. Precedentes: ACO
1.848-AgR, rel. Min. Celso Mello, Tribunal Pleno, DJe de 6/11/2014; AC
2.032, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 20/03/2009.
4. Agravo regimental a que se
nega provimento.
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