Itália busca equilíbrio entre sigilo e transparência
Encontrar
o justo equilíbrio entre a transparência dos atos da Administração
Pública e o sigilo para a proteção de interesses do Estado é uma meta em
desenvolvimento na Itália. Habituado à total reserva e com sólida
tradição em segredo, o país tem forte resistência e preocupação com a
difusão indiscriminada e generalizada de informações. Contudo, a
experiência atual mostra ser primordial o esforço para balancear esses
dois extremos para prevenir a corrupção e promover a integridade.
Na
Comunidade Europeia, a lei italiana é a mais restritiva em
transparência. Passou por lenta evolução nos últimos 20 anos cujo ápice
foi a recente entrada em vigor do DLeg n.º 33/2013, como resposta à Lei
n.º 190/2012 (anticorrupção), que determina a criação de portais
institucionais na web para dispor informações que possibilitem
um controle amigável dos atos administrativos e para simplificar o
acesso a documentos, atos e procedimentos. Introduz o programa trienal
de atividades para instituir no país uma cultura voltada à
transparência. [1]
Mais de 20 mil órgãos públicos já colocaram informações na web,
por isso o departamento de funções públicas do governo italiano criou a
“bússola da transparência” que permite ao cidadão, em tempo real,
analisar estatísticas e verificar a evolução do projeto em todo o
território nacional. [2]
O
marco da disciplina do acesso à informação na Itália foi o Dec. n.º
241/1990, o qual tornou obrigatório informar o interessado sobre a
abertura de procedimentos administrativos permitindo o acesso aos atos
praticados e à sua motivação. Foi um avanço na época, já que a
comunicação entre a Administração Pública e o cidadão era inexistente em
razão do princípio do segredo de ofício. Não havia um limite para o que
considerar segredo de Estado e praticamente nada podia ser revelado.
Contudo, explica Rossella Miceli, professora de direito tributário da Università di Roma “La Sapienza”,
que o direito de acesso à informação previsto nesse decreto é exclusivo
do indivíduo que comprove interesse legítimo. Portanto, impraticável ao
cidadão cuja finalidade seja o controle social amigável de atividades
administrativas. Além disso, não alcança atos de natureza tributária, os
quais foram expressamente excluídos de sua abrangência, de modo que nem
mesmo o contribuinte pode ter acesso às informações existentes e aos
procedimentos fiscais instaurados a seu respeito. [3]
Somente
com a Lei n.º 212/2000, intitulada “Estatuto do Contribuinte”, que a
Administração Tributária foi obrigada a dar informações ao contribuinte.
Entretanto, para Miceli, na prática, não houve mudança significativa,
pois não se permite verificar o ato, mas apenas as suas razões. Os atos
tributários continuam inacessíveis ao cidadão, sendo uma estratégia para
afirmar o poder do Estado e uma técnica para desestimular impugnações
devido à dificuldade de conhecer os posicionamentos e práticas da
Administração Pública em matéria fiscal.
Numa democracia avançada,
a transparência é regra e o sigilo a exceção. Como se trata de um país
democrático foi imprescindível adotar medidas para substituir o
princípio do segredo de ofício pelo princípio da transparência, uma
poderosa ferramenta para o bom andamento e a imparcialidade nas
atividades administrativas, previstos no artigo 97 da Constituição
italiana. [4]
O
acesso total às informações aos usuários de serviços públicos e à
coletividade é recente na Itália, surgiu com o DLeg n. 150/2009, que
regularizou a otimização da produtividade do serviço público, da
eficiência e da transparência das atividades administrativas. É
consequência ao Tratado de Lisboa, que prega uma Europa mais democrática
e transparente e prevê a criação de mecanismos que possibilitem uma
interação cada vez maior entre os cidadãos europeus e as instituições.
A
implantação de tecnologia com o DLeg 33/2013 atua como uma estratégia
para o progresso da transparência na Itália. Busca-se introduzir uma
Administração Pública digital com informações compreensíveis, atuais e
em formato aberto, de acordo com a filosofia open data. Apenas
assim será possível ajustar-se à imagem construída por Filippo Turati da
Administração Pública casa de vidro, cujo interior é visto
constantemente por todos pelo lado de fora.
Apesar do DLeg 33/2013
ser um grande passo em transparência, ainda há um longo percurso a ser
seguido, pois não basta uma revolução legislativa, é essencial também
introduzir a cultura da transparência na sociedade italiana. Só assim
será possível aniquilar o culto ao segredo fortemente instalado no país
e, nas palavras de Norberto Bobbio, experimentar o governo dos poderes
visíveis.[5]
[1] Cf. “Programma triennale per la trasparenza e l´integrità”, instituído pelo DLeg. N.º 33, de 14-03-2013, disponível em:http://www.governo.it/AmministrazioneTrasparente/DisposizioniGenerali/ProgrammaTrasparenza/programma_triennale_trasparenza_2012-2014.pdf. Último acesso em 16 fev. 2014.
[2] Disponível em: http://www.funzionepubblica.gov.it/media/1066217/bussola.pdf. Último acesso em 17 fev. de 2014.
[3] Rossella Miceli é professora de Direito Tributário do Departamento de Direito e Economia da Atividade Produtiva da Faculdade de Economia da Universidade de Roma “La Sapienza” e advogada.
[4] Cf. ITALIA. Costituizione della Repubblica Italiana. Promulgada em 17-12-1947. Bologna: Editora Zanichelli, 2011. Disponível em http://www.senato.it/documenti/repository/costituzione.pdf .Último acesso em 17 fev 2014.
[5] “La democrazia è idealmente il governo del potere visibile, cioè del governo i cui atti si svolgono in pubblico sotto il controlo della pubblica opinione. L´opacità del potere è la negazione della democrazia”. BOBBIO, Norberto. Democrazia e Segreto. Giulio Einaudi Editore, 2011.
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