Justiça Tributária
A farsa das consultorias e das grandes lavanderias
Serviços
de consultoria são definidos no dicionário de Aurélio Buarque de
Holanda como aqueles decorrentes de consultas, pareceres e opiniões
técnicas prestados por especialistas em certos ramos do conhecimento.
Lavanderia define-se como sendo o estabelecimento onde se lavam e passam
a ferro peças de vestuário ou parte de casa, hotel, caserna, etc. que
se preste à mesma função.
Sempre que surgem notícias sobre
grandes negociatas, desvios de verbas e outros crimes, é comum que o
beneficiário tente justificar o que recebeu afirmando que prestou
serviços de consultoria. Já o suposto usuário de tais serviços confirma a
operação, para dar cobertura às alegações e declara que fez os
pagamentos pelos tais serviços que lhe foram prestados pela empresa de
consultoria.
Em qualquer caso as partes procuram não dar
explicação, alegando que seus contratos trazem cláusula de sigilo que
proíbe as partes de dar a terceiros o conhecimento do seu conteúdo.
Caso
se faça uma verificação minuciosa dessas operações, ficam claros os
diversos tipos de crimes ai ocorridos, pois nelas existe uma verdadeira
farsa, já que na maioria dos casos não houve serviço algum de
consultoria e os supostos pagamentos servem apenas tentar explicar
lavagem de dinheiro.
Ainda que a empresa de consultoria tenha
emitido notas fiscais e recolhido os tributos sobre elas incidente e o
seu suposto cliente confirme a farsa, os crimes estão caracterizados se
não existir prova indiscutível dos serviços e dos pagamentos.
Ao
deduzirem os valores em sua contabilidade, estarão ambos – consultoria e
seu cliente - cometendo o crime contra a ordem tributária, definido na
lei 8.137/1990.
Já o vigente regulamento do imposto de renda
(decreto 3.000/1999) em seu artigo 299 estabelece o que pode ser
considerado como despesas operacionais da pessoa jurídica. Tal conceito é
antigo, vindo da lei 4.506/1964 que as define como que sejam normais no
tipo de transações, operações ou atividades da empresa.
Veja-se
que a dedutibilidade das despesas está ligada àquelas que são as
necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte
produtora e são também aquelas relativas às operações desenvolvidas pela
atividade da empresa.
Nessas condições, notas fiscais emitidas a
título de serviços de consultoria devem especificar com clareza a
espécie de serviços prestados. Se consultoria são pareceres e opiniões
técnicas prestados por especialistas em certos ramos do conhecimento, é
imprescindível que sejam bem definidos nos documentos fiscais. Não basta
mencionar que se trata de consultoria, é necessário que fique claro
quais são esses serviços. Por exemplo: “Serviços de consultoria de
engenharia civil, consistentes em cálculos de estrutura do edifício
tal...”
Trata-se, portanto, de comprovar que a consultoria
prestada corresponde, exatamente, a despesaspagas ou incorridas.No
exemplo mencionado, fica evidente que o contratante dos serviços é uma
construtora ou uma empresa que constrói um edifício para seu uso.
Claro
está que o pagamento deve ser demonstrado de forma indiscutível, não
podendo restar dúvida quanto à sua forma. Pode ser desconsiderado, pois,
o pagamento de vultosa importância em dinheiro, o que é indício de
sonegação. Anote-se que o sigilo, embora protegido pelo artigo 5º,
incisos X e XII da CF, não é absoluto, mas só pode ser quebrado por
ordem judicial. Nesse sentido é a lição de José Augusto Delgado,
Ministro de STJ, no 3º Colóquio Internacional de Direito Tributário:
“A
atribuição da quebra do sigilo bancário, em um regime democrático onde
predomina o respeito maior aos direitos fundamentais da cidadania, deve
ser exercido pelo Poder Judiciário, não só porque seus membros atuais
estão revestidos da garantia da vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de vencimentos, bem como, porque exercem suas funções
com independência absoluta em relação ao Poder interessado na cobrança
do tributo e conseqüentemente, no resultado a ser obtido pela ação
fiscal.”
O STJ decidiu que nem o MP pode quebrar o sigilo sem
prévia autorização do judiciário. (Processo 2006 02256189, DJ
22/10/2007, pág. 312).
Embora não possa quebrar o sigilo, a
autoridade administrativa pode, em procedimento fiscal contra ambas as
empresas, verificar se os serviços foram efetivamente prestados e se
eles são necessários à atividade da empresaque os tenha contratado.
Na
hipótese de que as notas fiscais ou faturas não correspondam a serviços
efetivamente realizados, caracteriza-se o crime de falsidade ideológica
definido no artigo 299 do CP, que é inserir falsa declaração em
documento público ou particular, com o fim de prejudicar direito, criar
obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Com
o advento da lei 12.846/2013 nesses casos a responsabilidade da pessoa
jurídica é objetiva, em relação aos atos praticados contra a
administração pública e tal responsabilização pode atingir seus
dirigentes ou administradores. Essa lei é conhecida como “lei
anti-corrupção”. Seus artigos 6º e 7º cuidam da aplicação de penas de
multa que podem chegar a 60 milhões de reais ou 20% do faturamento
verificado no exercício anterior à instauração de processo
administrativo. Prevê até mesmo a dissolução compulsória da pessoa
jurídica, ou seja, o poder público pode encerrar as atividades da
empresa.
Além disso, a lei 8.429/92 trata dos atos de improbidade
administrativa e enriquecimento ilícito que causem lesão o ao erário.
Cuida ainda de definir como crimes diversos procedimentos que, em
princípio, mais se aplicam a funcionários públicos.
Vemos,
portanto, que o poder público vem se armando com um amplo aparato legal
que, em princípio, protege a sociedade da prática dos chamados crimes
econômicos. Todavia, não será o excesso de leis que evitará o surgimento
de atividades delituosas nesse campo. A imaginação dos brasileiros é
muito fértil.
Por outro lado, as empresas de consultoria que se
ocupam apenas de fornecer documentos destinados a fraudes, estão sempre
ligados a outra, que cuida de tentar justificar a origem ou a aplicação
de capitais resultantes daquelas atividades. São as chamadas
lavanderias, já que tem como objetivo lavar o dinheiro, justificar seus
desvios, enfim, tentar dar um aspecto de legalidade a tudo isso. Quem as
conduz normalmente são as pessoas chamadas de “laranjas” ou
“fantasmas”. Nesse caso, são fantasmas que negociam com pessoas muito
vivas, onde cegos enxergam muito longe.
As atividades ou
transações que se destinam o ocultar o dinheiro obtido com as negociatas
já mencionadas são inúmeras. Podemos mencionar as que já foram
identificadas. Muito comum, por exemplo, é a aquisição de imóveis por
preços irreais, via de regra mais baixos, que em seguida são vendidos
por quantias muito maiores.
Outra forma de lavagem de dinheiro é a
aquisição de obras de arte a preços elevados, fora da realidade.
Paga-se ao artista ou proprietário da obra um valor pequeno, obtendo-se
em troca recibos superfaturados. A diferença é devolvida em espécie pelo
vendedor, que a transforma em moeda estrangeira, investimentos ou
propriedades adquiridas fora do país.
Há ainda empresas que
divulgam campanhas publicitárias em TV ou rádio, com faturas acima da
realidade, pois tais meios de comunicação normalmente não são
fiscalizados quanto à quantidade de propaganda que dizem ter divulgado.
Podem ainda ser promovidos espetáculos artísticos ou subsidiadas
atividades teatrais onde os recibos ou faturas não espelham a realidade.
Não
é razoável supor que baste uma nota fiscal ou fatura de prestação de
serviços de consultoria para que reste aceita ou comprovada a atividade.
Também é necessário comprovar que os serviços tenham sido efetivamente
prestados através de especialistas ou técnicos no assunto a que
supostamente se refira o pagamento.
Uma empresa cujo principal
sócio seja um médico e que possua em seus quadros alguns poucos
empregados na área administrativa, por exemplo, não pode justificar a
suposta prestação de serviços para um cliente que se dedique a
construções, serviços de transporte ou atividades bancárias. A
inconsistência de tal operação é evidente e ali está presente, sem
dúvida, fortes indícios de fraude.
Assim também ocorre quando uma
empresa de cobranças, por exemplo, movimente fantásticos valores
financeiros, desproporcionais com o volume de cobranças e a quantidade
de clientes que alega possuir.
Por tudo isso, empresas de
consultoria ou intermediação de negócios, administração de bens e
atividades correlatas devem ser rigorosamente fiscalizadas pela
administração pública, com o intuito de evitar a prática dos crimes e
desvios já mencionados.
Raul Haidar é
jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2014
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