Danos morais – Receita Federal terá de indenizar contribuinte por cobrança indevida
Por
Jomar Martins
Havendo decisão judicial transitada em julgado reconhecendo a isenção de
Imposto de Renda sobre determinada verba, é nulo o lançamento fiscal
cobrando o valor. Assim, por decorrência, a insistência nessa cobrança
enseja o pagamento de indenização por danos morais em favor do
contribuinte.
Com esse entendimento, a maioria dos integrantes da 2ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região confirmou sentença que condenou a União a
reparar em R$ 15 mil um contribuinte de Curitiba. Doente crônico, ele
teve de ir à Justiça duas vezes para ver reconhecida sua condição de
isento e anular as cobranças indevidas.
No 1º Grau, a juíza federal substituta Ana Carolina Morozowski escreveu
na sentença que o evento danoso consiste na notificação fiscal de
lançamento lavrada contra o autor, que tem uma sentença reconhecendo seu
direito de não ser cobrado pelo Fisco. O dano, por sua vez, revela-se
nos evidentes transtornos que lhe foram causados, já que é portador de
doença incapacitante.
Voto divergente
Em voto divergente, o desembargador Rômulo Pizzolatti afirmou que a
ideia de dano moral remete à dor extremada ou sofrimento atroz sofrido
por alguém em decorrência de ato ilícito de outrem. Não basta, portanto,
que exista ato ilícito: é necessário que este provoque uma dor
significativa no ofendido. No caso concreto, segundo o julgador, o autor
alega a causa, mas não comprova o efeito.
Por se tratar de cobrança indevida, Pizzolatti entendeu que deveria
incidir a regra do artigo 940 do Código Civil, que prevê que quem cobrar
dívida paga ou pedir mais do que o devido terá de ressarcir em dobro.
E, para essa punição, teria de ser comprovado o dolo da União, não
bastando sequer a culpa grave. O acórdão foi lavrado na sessão de
julgamento de 8 de julho.
O caso
Interditado judicialmente em razão de doença incapacitante, o autor
disse que solicitou à Receita Federal isenção do Imposto de Renda, o que
foi negado administrativamente. Sua curadora, então, buscou a Justiça,
que lhe deu ganho de causa.
Apesar do trânsito em julgado da sentença que reconheceu seu direito à
isenção, o contribuinte foi surpreendido com autuação por débito de
Imposto de Renda. O autor, então, voltou à Justiça e conseguiu tornar
sem efeito a cobrança.
A investida do Fisco federal não parou por aí. Uma nova notificação de
débito foi emitida. Em face da insistência na cobrança, o autor ajuizou
ação ordinária com pedido de anulação do lançamento do crédito
tributário, bem como a condenação da União ao pagamento de indenização
por danos morais.
Citada pela 3ª Vara Federal de Curitiba, a União contestou, alegando que
o autor não provou a existência de duas cobranças após o trânsito em
julgado da sentença que lhe foi favorável. Disse que houve notificação
gerada automaticamente, por conta de uma alegada omissão de receitas em
face da informação prestada pela fonte pagadora.
Última palavra
O Supremo Tribunal Federal chegou a julgar casos semelhantes, todos pela
ótica da impossibilidade de revisão de provas e fatos pela corte
constitucional. A última decisão foi de 2012. Uma contribuinte pessoa
física foi notificada pela Receita Federal sobre discrepâncias entre os
valores informados em sua Declaração de Ajuste Anual a respeito de
verbas pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social, com retenção de
Imposto de Renda na fonte. Na Justiça, ela conseguiu provar que as
diferenças se deram por conta de erros no repasse de informações do
INSS, fonte pagadora, à Receita, e não por omissões suas de rendimentos.
A Previdência foi obrigada a pagar indenização por danos morais, após
ter seu Agravo de Instrumento 723.664 negado monocraticamente pelo
ministro Dias Toffoli.
O mesmo ministro, em 2011, negou o Recurso Extraordinário 549.881,
interposto pela União, contra a obrigação de indenizar contribuinte que
teve sua inscrição no CPF vinculada, pela Receita Federal, a outra
pessoa, que, inadimplente, provou a negativação do nome do portador
original da inscrição. A União foi condenada a indenizar o contribuinte
em R$ 2,5 mil por danos morais. Em 2010, no RE 570.732, e em 2009, no RE
544.439, os ministro Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto
(aposentado), respectivamente, já adotaram o mesmo entendimento em
relação a contribuintes com o CPF duplicado. O ministro Marco Aurélio
foi outro que, em 2008, também proferiu decisão no mesmo sentido, ao
julgar o Agravo de Instrumento 607.754.
Fonte:
ConJur Associação
Paulista de Estudos Tributários, 22/7/2014
09:51:04
Leia palestra de Roque Carrazza sobre imunidade tributária e religião
A
Constituição, em seu artigo 150, inciso VI, alínea b, prevê que é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios
instituir impostos sobre templos de qualquer culto. Partindo desse
dispositivo, o tributarista Roque Antonio Carrazza, livre docente e
professor titular de Direito Tributário da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, debateu, em seminário na Associação dos Advogados
de São Paulo que ocorreu em maio, a relação entre aspectos tributários e
garantias da liberdade religiosa.
A abertura do evento ficou a
cargo do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Também
participaram Ives Gandra da Silva Martins e o desembargador Francisco
Giordani, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, entre outros
nomes de destaque no cenário jurídico.
Leia a íntegra da palestra de Roque Carrazza:
"Nós
estamos aqui para fazer ciência, para fazer uma reflexão crítica em
profundidade sobre um tema amplo e altamente polêmico: liberdade
religiosa e tributação. É um tema amplíssimo que, por óbvio, não poderei
esgotar no curto espaço de 60 minutos, mas eu vou levantar os pontos
que me parecem mais oportunos, mais interessantes, sem aquela tola
pretensão de monopolizar a verdade e, como disse ontem, aqui mesmo nesse
auditório, num outro seminário, atento àquela celebre advertência do
padre Antônio Vieira: 'Aquele que levanta muita caça e não vai atrás de
nenhuma, não deve se queixar se, ao final da jornada, volta pra casa com
as mãos vazia'.
Eu começo por afirmar que a lei maior tributária
é, sem dúvida, a Constituição. Não é o Código Tributário Nacional, não é
alguma lei complementar que lhe faça as vias, não, é a própria
Constituição. Ninguém no Brasil pode ser ávido conhecedor do Direito
Tributário se não tiver palmilhado a Constituição. A Constituição não só
cria o Estado, seus poderes, o modo de adquirir os exercitados, como
elenca e garante os direitos fundamentais das pessoas.
Em matéria
tributária, a Constituição brasileira, como já lhes acenei, foi
extremamente pródiga, contém dezenas de princípios e centenas de regras
que guiam a ação estatal de exigir tributos. Eu, pessoalmente, não
conheço nenhuma outra Constituição no mundo que tenha decido a tantos
detalhes em matéria tributária quanto a Constituição brasileira. No
Brasil, com efeito, as pessoas políticas, enquanto tributam, enquanto
criam abstratos tributos, se veem, por assim dizer, diante do seguinte
dilema: ou reproduzem praticamente a Constituição, e, ao fazê-la, apenas
recriam num grau de concreção maior aquilo que na Constituição já se
contém, ou, na ânsia de serem originais, acabam resvalando para o campo
da inconstitucionalidade. Enfim, no Brasil, as pessoas políticas, a
União, os estados, os municípios e o Distrito Federal encontram
perfeitamente iluminado no texto supremo o caminho tributário que podem,
de modo válido, percorrer. O que de fato é muito bom, na medida em que o
tributo alcança dois valores que são muito caros a todas as pessoas, o
valor 'liberdade' e o valor 'propriedade'.
Sobre o valor
'liberdade', que eu saiba, ninguém paga tributos com alegria. As pessoas
pagam tributos sob protesto, até contristadas — eu falo por mim. As
pessoas pagam tributos porque a ordem jurídica a tanto as compele e, sem
dúvida, o tributo lanha o direito de propriedade que é
constitucionalmente protegido — artigo 5º, inciso XXII, da Carta Magna.
Na medida em que o tributo investe contra o direito de propriedade e na
medida em que o direito de propriedade é um direito fundamental
consagrado no diploma supremo, segue-se necessariamente que o tributo
somente será válido se também ele deitar raízes na Constituição. Mas,
afinal, o que fez a Constituição de tão fundamental, de tão importante,
em matéria tributária? Eu diria que quatro coisas. Basicamente quatro
coisas.
A primeira discriminou competências tributárias, deu às
pessoas políticas a aptidão de criar, em abstrato, tributos. Competência
tributária — não quero maçá-los com obviedades — é aptidão jurídica
para destituir tributos, descrevendo a norma jurídica tributária em
todos os seus aspectos fundamentais — hipótese de dissidência, sujeito
ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota. Têm competência
tributária as pessoas políticas. Aliás, a Constituição traçou as
fronteiras do campo tributário e o dividiu em faixas, dando uma para
cada uma das pessoas políticas, de tal sorte que a União tem os seus
tributos, cada um dos estados membros outros tributos, idem cada um dos
municípios, mais o Distrito Federal. O tema 'competência tributária' é
eminentemente constitucional. Não é à toa que há autores que dizem que a
Constituição é a Carta das Competências Tributárias. E tem razão, na
medida em que a Constituição indica o que as pessoas políticas podem, o
que não podem e o que devem fazer, enquanto criam, em abstrato,
tributos. Também a Constituição classificou os tributos em espécies e
subespécies, fez desse ponto doutrina. Também aqui ela é ímpar, não há
nenhuma outra Constituição do mundo que tenha tido a preocupação de
dividir o gênero do tributo em espécies, tampouco as espécies
tributárias em subespécies. O imposto é uma espécie tributária e a
própria Constituição se encarregou de dividir o imposto em várias
espécies, várias modalidades. Algumas espécies são de competência
privativa da União. Outras, dos estados membros, outras dos municípios,
outras ainda do Distrito Federal.
Também a Constituição traçou a
regra matriz, o arquétipo, a norma padrão de dissidência das várias
espécies e subespécies tributárias, embrionariamente, atomicamente,
todos os tributos se encontram estruturados na Carta Constitucional. A
essência de cada tributo está ali posta na Constituição.
Como
estou falando para bacharéis em Direito, permitam-me dar um toque de
cientificidade a essas minhas palavras. A Constituição, expressa ou
implicitamente, apontou a hipótese de incidência possível, sujeito ativo
possível, sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a
alíquota possível de cada imposto, de cada taxa, de cada contribuição.
Então, vejam que a classificação constitucional dos tributos não foi
apenas nominal, foi também conceitual. A Constituição não se limitou a
rotular os tributos, a chamar um de imposto, outro de taxa, outro de
contribuição, a chamar um imposto de Imposto sobre a Renda, o outro de
IPI, outro de ICMS. A Constituição, sem dúvida, fez isso, mas ela foi
além, apontou o regime jurídico que cada espécie e subespécie tributária
deverá necessariamente observar, o que nos protege enquanto
contribuintes. Graças à Constituição, passamos a ter o direito
subjetivo, se quisermos, o direito constitucional subjetivo de só sermos
tributados de acordo com esses parâmetros, de acordo com esses
paradigmas constitucionais. Um tributo criado fora de sua regra matriz
constitucional é um tributo inconstitucional, que agride o direito de
propriedade e tende a assumir feições confiscatórias.
Por fim, a
Constituição limitou o exercício das competências tributárias por meio
de uma série de princípios constitucionais tributários. Até eu me atrevo
a dizer que, para nós, contribuintes, a Constituição é mais importante
enquanto limita o exercício das competências tributárias, do que
enquanto permite que as pessoas políticas tributem. A História, que é
mestra da vida — Historia magistra vitae — nos revela que,
desde tempos imemoriais, havia Estados que não tinham uma Constituição
formal e, no entanto, tributavam. Só que a tributação em outras eras era
extremamente odiosa, não é? Foi só depois da Revolução Francesa, da
Revolução Norte-Americana, movimentos que visavam instituir o governo
das leis e não o governo dos homens, que se passou a entender que todos
têm o dever de colaborar com a mantença da coisa pública. De que modo?
Pagando tributos. Mas pagando tributos com critério, com método —
podemos dizer — observados princípios constitucionais e, de fato, os
princípios da legalidade, da igualdade, da reserva de competências e da
razoabilidade. Todos esses princípios guiam a ação estatal de exigir
tributos. A tributação somente será válida, em resumo, se observar os
princípios constitucionais tributários.
Muito bem, ajuda a delimitar a competência tributaria a série de
regras que imunizam da tributação determinadas pessoas, bens e
situações. E aqui entro no tema central: imunidades tributárias.
Para
entendermos o que vem a ser uma imunidade tributária, é importante
fazermos uma distinção que não é difícil. A distinção entre os fenômenos
da incidência, da não incidência, da própria imunidade e da isenção.
Então, sem maiores delongas, quando há incidência? Quando ocorre o fato
imponível, quando se verifica, no mundo em que vivemos, no mundo
fenomênico, aquele fato abstratamente descrito numa lei anterior.
Então,
há uma lei que estabelece que a pessoa que obtiver rendimentos terá de
pagar imposto sobre a renda. Uma dada pessoa obtém, ao longo de um
exercício financeiro, rendimentos. O que acontece nesse caso? Do
fenômeno da incidência, nasce o tributo. Então, há incidência quando se
dá o nascimento do tributo pela subsunção de um fato ocorrido no mundo
real a uma hipótese descrita numa lei tributária anterior. Até aí,
nenhuma novidade, somos todos colegas, todos conhecemos o fenômeno
jurídico da tributação. E quando não se dá a incidência, ou, se
preferirmos, quando ocorre a não incidência? Bom, em primeiro lugar,
quando não ocorre nenhum fato, não há nenhum tributo, nada não gera
nada, nem na natureza, nem no mundo jurídico. Até abrindo um ligeiro
parênteses e recordando velhas lições de biologia obtidas no legendário
colégio Nossa Senhora do Carmo, que era administrado pelos maristas, eu
observo, à guisa de curiosidade, que até meados do século XIX, até 1850,
aceitava-se a teoria aristotélica da geração espontânea na natureza.
Foram necessários os experimentos de Pasteur para demonstrar que não
havia geração espontânea, que os ratos não nasciam no lixo, que os
insetos não nasciam espontaneamente em meio a frutas deterioradas. Mas,
até 1850, aceitava-se sem nenhuma comprovação científica, o que hoje nos
causa espanto.
Pois bem, assim como na natureza não há geração
espontânea, no mundo jurídico também o nada não pode gerar tributos.
Então, se não ocorre fato algum, claro que não há nenhuma incidência
tributária, mas também não há incidência tributária quando ocorre um
fato tributariamente irrelevante. Então, observem os colegas, o fato de
estarmos aqui reunidos é um fato tributariamente irrelevante. Não fará
nascer, para nenhum de nós, nenhuma obrigação tributária. Encerrada essa
sessão científica, dirigirmo-nos de volta aos nossos lares ou aos
nossos locais de trabalho será outro fato tributariamente irrelevante e,
assim, a maciça maioria dos fatos que ocorre no dia-dia das pessoas,
quer das pessoas físicas, quer das pessoas jurídicas, são fatos que não
provocam nenhum nascimento de obrigações tributárias, são fatos
tributariamente irrelevantes.
Situações de não incidência, no
entanto, podem se transformar em situações de dissidentes, quando,
afinal, a lei cria em abstrato um tributo que até então não existia.
Exemplifico, na tentativa de mais bem esclarecer. Atualmente, não existe
no Brasil o imposto sobre grandes fortunas. No entanto, esse imposto
está previsto na Carta Constitucional. É um imposto da competência
explícita da União — artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal.
Atualmente, possuir grande fortuna não leva ao nascimento de nenhuma
obrigação tributária — não, pelo menos, a obrigação de recolher o
imposto sobre grandes fortunas. Nada impede, no entanto, que amanhã o
Congresso Nacional finalmente exercite essa competência tributária e, se
isso acontecer, possuir grande fortuna será um fato tributariamente
relevante. Digamos que, ainda no presente exercício de 2014, o Congresso
Nacional aprove uma lei criando imposto de grande fortunas. A partir de
1º de janeiro de 2015, por força do princípio da anterioridade, esse
episódio será tributariamente relevante.
Ocorre, no entanto, que
alguns fatos, algumas pessoas, algumas situações jamais poderão ser alvo
de tributação. Por quê? Porque a Constituição estende sobre elas o
manto da imunidade tributária. O que é imunidade tributária? Então, numa
primeira abordagem, é uma hipótese de não incidência tributária
constitucionalmente qualificada e difere da isenção, que também é uma
hipótese de não incidência, só que legalmente qualificada. Na prática, o
contribuinte imune está a salvo do tributo, mas os regimes jurídicos da
imunidade da isenção são diferentes. Para que desapareça uma isenção,
basta que se revogue a lei que concedeu esse benefício fiscal. Já para
que desapareça uma imunidade, é preciso que se altere a Constituição.
Aliás, a esse respeito há uma divergência doutrinária a assinalar. Há
quem entenda que uma emenda constitucional pode desconstituir situações
de imunidade tributária. É uma posição respeitável, mas não é aquela
pela qual eu me inclino. A meu juízo, as imunidades tributárias são
cláusulas pétreas, irremovíveis por meio de emenda constitucional. Só
uma nova Assembleia Nacional Constituinte, investida do poder
constituinte originário — aquele que tudo pode, observados evidentemente
o direito das pessoas e os tratados internacionais dos quais o país é
signatário —, é que, a meu ver, teria força bastante para alterar
situações de imunidade. Há uma posição intermediária. Há quem diga: a
imunidade que se diz 'de perto', com direitos fundamentais, essa sim é
clausula pétrea. A imunidade que trata de questões periféricas pode ser
desconstituída por emenda constitucional. É a posição atual do Supremo,
que sempre com o devido acatamento, não me parece a melhor. O fato é que
quando o constituinte declarou pessoa, situações ou bens imunes, ele o
chancelou com o carimbo do valor, do valor extremo, pareceu bem ao povo
brasileiro, reunido em Assembleia Constituinte, que essas pessoas, esses
bens, esses valores, não fossem alvo de tributação. Muito bem, feito
esse intróito, vamos enveredar pelo assunto 'imunidade tributária'.
A palavra imunidade vem de immunitas, que significa guarda, proteção. Outra curiosidade: originariamente, o termo é grego e se referia aos immunes
— os idosos que não contraíam a peste na época de Péricles, a época de
ouro da Grécia clássica. O próprio Péricles sucumbiu à peste, e aí, os
gregos, mais especificamente os atenienses, fizeram uma constatação:
havia uns senhores, uns idosos, que mesmo em contato com os doentes, não
adquiriam a moléstia. Reunidos na Ágora, os cidadãos ainda válidos
votaram uma lei, determinando que esses idosos ficassem na cabeceira dos
doentes e os tratassem — em geral em vão, já que quase todos morriam —,
mas os velhos não contraíam a moléstia e eles eram chamados immunes?
Na verdade, eles tinham anticorpos e por isso não contraíam a moléstia.
Talvez sejamos todos, de algum modo, descendentes desses que
sobreviveram.
Pois bem, a palavra immunes, acabou, tempos
depois, incorporada ao vocabulário jurídico, inclusive ao vocabulário
jurídico-tributário. Então, há imunidade quando se verifica uma situação
de não incidência tributária por força de determinação constitucional. A
imunidade, torno a dizer, ajuda a traçar o perfil das competências
tributárias. É outro tema eminentemente constitucional, tanto que
desobedecer uma situação de imunidade equivale a desobedecer a
Constituição, a incidir, portanto, em inconstitucionalidade. E, aqui,
acodem a minha mente palavras clássicas de Aliomar Baleeiro: as regras
de imunidade precisam realmente ser obedecidas, as regras de imunidade
tornam inconstitucionais as leis que as desconsideram, enveredando pelo
mesmo caminho do saudoso tributarista, do saudoso mestre baiano, as
normas infralegais e as decisões judiciais que desobedecem as situações
de imunidade, essas são duplamente inconstitucionais, não podem ser alvo
de desconsideração nem pela lei, nem pelo ato administrativo, e nem
mesmo pelas decisões judiciais. Exatamente porque as situações de
imunidade encerram valores que, de tão caros, foram postos no próprio
preâmbulo da Constituição. É o caso do valor 'liberdade', do qual a
liberdade religiosa é uma consequência, um corolário. É por isso também
que as situações de imunidade devem receber uma interpretação generosa.
Novamente uma pitada de ciência: toda norma jurídica traça uma
moldura dentro da qual cabem diversas interpretações. Em matéria de
imunidade, que interpretação deverá prevalecer? A interpretação mais
ampla, a interpretação mais generosa, in dubio pro imunitate,
que as situações de dúvidas sejam resolvidas em favor da imunidade,
atendendo, portanto, à exortação do próprio povo brasileiro que, reunido
em Assembleia Nacional Constituinte, fez aprovar a atual Carta Magna, a
Constituição Cidadã.
As situações de imunidade estão todas
contempladas na Carta Constitucional. Uma delas nos interessa: é a
contemplada no artigo 150, inciso VI, alínea b, do Diploma Supremo,
segundo a qual são imunes à tributação por meio de impostos o
patrimônio, a renda, e os serviços dos templos de qualquer culto.
Não
é difícil notar que, por trás desse dispositivo, está presente a
liberdade religiosa, a liberdade de manifestar livremente as suas
convicções religiosas e de fazer também proselitismo religioso, de
ganhar adeptos para a sua religião, para o seu culto. A Constituição
garante essa liberdade religiosa numa série de dispositivos,
especialmente no artigo 5º, incisos VI, VII e VIII, que eu vou tomar a
liberdade de ler rapidamente para os colegas: “É inviolável a liberdade
de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de
culto e a suas liturgias”.
Inciso VII desse mesmo artigo: “É
assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva. Inciso VIII:
“Ninguém será privado de direitos, por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa fixada em lei”. Essa é uma consequência da separação entre a
Igreja e o Estado, que se deu no Brasil na proclamação da República. Os
colegas não ignoram que, durante o período de Brasil Colônia e durante o
Império, que durou de 1822 a 1889, havia no Brasil uma religião
oficial, a Católica Apostólica Romana. Aliás, a Constituição de 1824,
com todas as letras dispunha que a religião católica é a religião
oficial e a única verdadeira. Não vamos entrar em detalhes acerca do
assunto, é certo que a mesma Constituição de 1824 garantia a liberdade
de outros cultos, desde que professados em caráter particular e em
imóveis que não tivessem o aspecto de igreja. Havia, portanto, uma
verdadeira reserva de mercado espiritual para a Igreja Católica
Apostólica Romana e isso era, digamos, bom e mau para a própria Igreja
Católica. Era bom porque as pessoas eram induzidas pela própria Carta
Constitucional a aderir à religião católica e a outros cultos, mas era
mau porque tirava muito da liberdade da própria Igreja Católica, já que o
chefe da igreja católica brasileira era o imperador. Os bispos, os
sacerdotes, os clérigos, em geral, deviam obediência ao imperador, eram
funcionários eclesiásticos do império. Havia, portanto, no Brasil,
aquilo que os canonistas chamam de cesaropapismo, quando o poder
temporal interfere no poder espiritual. A expressão foi cunhada à época
de Constantino, o grande. Ele proclamou a religião católica como sendo a
oficial do Império Romano, mas de alguma forma assumiu a chefia da
própria Igreja Católica, interferindo inclusive na nomeação de papas.
Isso foi chamado de cesaropapismo.
No Brasil, não houve um
cesaropapismo tão intenso, mas veja, a própria unção dos bispos dependia
do aval do imperador. Havia um tratado entre o Brasil e Roma — na
época, inclusive os Estados papais eram soberanos — pelo qual, sem a
aprovação do imperador, nenhum sacerdote podia ser ungido bispo. Isso
gerou inclusive a famosíssima questão religiosa: três bispos criticaram
uma conduta do imperador e por isso foram encarcerados, sob o aspecto
jurídico — licitamente encarcerados — porque eles estavam submetidos a
um código de conduta de funcionários públicos que eram.
Pois bem,
com a proclamação da República, por força das ideias positivistas,
especialmente de Benjamin Constant, a Igreja foi separada do Estado. O
Estado brasileiro se tornou laico e, em compensação, todos os cultos
passaram a poder ser livremente praticados. O Estado não pode dispensar
especial tratamento a nenhum culto, em razão do que estabelece o artigo
19, inciso I, da atual Constituição, segundo o qual “é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos
religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento
ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público”.
O que não significa que o Estado brasileiro seja um
Estado ateu, como revela o próprio preâmbulo da Constituição, que alude à
proteção de Deus. O povo brasileiro, reunido em Assembleia Nacional
Constituinte, observada uma série de valores e sob a proteção de Deus,
promulga a atual Constituição da República Federativa do Brasil.
Muito
bem, retomando o tema central, qualquer culto merece a proteção da
imunidade tributária, desde que evidentemente não ofenda a moral ou os
bons costumes, nem ponha em risco a segurança nacional. Mas isso há de
ser provado pelos meios em Direito admitidos. Situações de dúvida devem
ser resolvidas em favor da imunidade. Então, só quando comprovadamente
se está diante de um falso culto é que a situação de imunidade cai por
terra. Até que provem o contrário, todos os cultos são, portanto, imunes
aos impostos.
A Constituição faz expressa referência aos impostos
sobre o patrimônio, a renda e os serviços. Mas será que a imunidade
alcança apenas esses impostos? Eu tenho para mim que não. A todos os
impostos, nesse particular, a Constituição adotou uma redação econômica —
se quisermos, até uma redação jornalística. Exemplificando, para a
economia, são impostos sobre o patrimônio: o imposto territorial rural, o
imposto sobre grandes fortunas, o imposto sobre propriedade e veículos
automotores, o imposto sobre a transmissão de bens e móveis, o imposto
sobre a propriedade predial e territorial urbana — todos, para a
economia, são impostos sobre patrimônio. Para o Direito, são cinco
impostos diferentes: os dois primeiros de competência da União (imposto
territorial rural e sobre grandes fortunas), o IPVA, de competência dos
estados, e o IPTU e o ITBI, de competência dos municípios.
Então,
uma verdade: não apenas o imposto sobre a renda, sobre serviço e sobre
patrimônio, estão a salvo da tributação. Até porque a tributação por
meio de impostos tem a potencialidade de destruir, como ficou assentado
numa decisão celébre nos Estados Unidos. Essa decisão foi prolatada em
1819 e o caso é bastante conhecido. O estado de Maryland resolveu
tributar, por meio de imposto sobre a renda, a União Federal.
Inconformada, a União bateu às portas da Suprema Corte, que na época
tinha por presidente o legendário juiz Marshall, o qual conduziu os seus
pares no sentido de que o poder de tributar por meio de impostos
envolve o poder de destruir. Como não se deseja que alguns bens, algumas
situações, alguns valores sejam destruídos, evidentemente, esses bens,
esses valores, essas pessoas, não podem ser alvos de tributação por meio
de impostos em geral, de tal sorte que as igrejas e os templos de
qualquer culto são imunes à tributação por meio de todos os impostos.
Mas
que impostos, afinal, poderiam alcançar os templos de qualquer culto? O
imposto sobre a renda, sobre as doações, sobre os rendimentos, sobre os
dízimos que acodem aos cofres da igreja. Esse tributo não pode ser
exigido em razão da regra imunizante ora em estudo. O imposto sobre
serviços — serviço religioso é um serviço lato sensu — poderia
ser tributado por meio de ISS, imposto sobre serviço de qualquer
natureza, não fosse a regra imunizante interna. O ITBI, imposto sobre a
transmissão de bens e imóveis. Uma igreja que adquira para finalidades
religiosas um imóvel poderia ser alvo de tributação por meio de ITBI,
vulgarmente chamado 'Sisa'. Não pode em decorrência da regra imunizante,
ora em estudo. O imposto sobre a importação poderia
ser exigido sobre a importação de bens que serão integrados ao culto
litúrgico, mas também não cabe por decorrência da regra imunizante ora
em estudo. O ICMS importação, quando a própria igreja importa um bem
para uso litúrgico, não é alvo de tributação, ou pelo menos não deveria
ser, em decorrência da regra imunizante agora em estudo.
É literalmente o artigo 150, inciso VI, alínea b, que estabelece que
são imunes à tributação por meio de impostos os templos de qualquer
culto. Só que essa expressão “templo de qualquer culto” há de ser
entendida juridicamente. Não é só o imóvel onde o culto se professa que é
alcançado pela imunidade. A imunidade alcança a confissão religiosa, a
igreja — não o bem, o imóvel —, a pessoa jurídica 'igreja'. Então essa é
a primeira ideia que eu passo para os colegas. Também está embutida na
expressão “templos de qualquer culto” a palavra anexos — anexos do
templo. O que são anexos do templo? O próprio nome já mapeia o caminho a
ser percorrido. É tudo quanto possibilita o culto. Então, em termos de
Igreja Católica: a casa paroquial, o convento, a abadia, o seminário
onde são formados os sacerdotes. Em termos de Igreja Protestante, são
anexos do templo: a casa do pastor, o centro de formação de pastores. Se
a religião for judaica: a casa do rabino, o rabinato, o centro de
formação de rabinos. Se a religião for umbandista, será o terreiro de
umbanda, a casa do pai de santo. Nesse particular, não podemos ser
preconceituosos. Todos os cultos merecem especial proteção do Estado.
Recentemente,
houve uma decisão no Rio de Janeiro muito polêmica, e o juiz entendeu, a
meu ver equivocadamente, que a umbanda não é uma religião. Não é uma
religião majoritária no Brasil, muitos não creem nos postulados dessa
religião, mas não deixa de ser um religião, uma religião africana que
também merece a proteção do Estado e o respeito, inclusive a sua
imunidade tributária. Não nos esqueçamos da diretriz: as questões de
imunidade devem receber um tratamento generoso, um tratamento o mais
possível favorável. Eu, nesse particular, colido também com a orientação
recente do Supremo Tribunal Federal, acerca da loja maçônica. A
maçonaria, lato sensu, é um culto, uma filosofia de vida, mas
não deixa de ser um culto, acredita num ser superior, não professa o
ateísmo, tem por objetivo pregar o bem, fazer o bem e até me apresso em
dizer que não sou maçom, então não estou advogando em causa própria.
Dentro dessa diretriz de generosidade, eu tenho para mim que também a
loja maçônica é abrangida pela imunidade, por exemplo, ao IPTU. Essa
imunidade também alcança uma propriedade rural onde sejam formados os
novos sacerdotes, os novos ministros daquele culto, ainda que nela haja
uma produção agrícola, desde que essa produção agrícola não se destine
ao comércio, mas apenas ao consumo das pessoas que ali vivem.
Outro
ponto interessante, já me perguntaram: e o veículo usado pela igreja, é
abrangido pela imunidade? A igreja terá que pagar IPVA por ser
proprietária do veículo? Bom, se o veículo pertencer à igreja e for
usado para atividades religiosas, para conduzir o ministro, o líder
religioso até a casa de um fiel que se encontra doente, ou mesmo pra
trazer o fiel que tem dificuldade de locomoção até o templo para que ali
receba assistência religiosa, a imunidade se faz presente. Não é imune,
evidentemente, o veículo de propriedade do sacerdote, do pastor, do
pregador, do ministro da religião, como também a imunidade não alcança a
casa particular do sacerdote, do ministro. Agora, a casa paroquial que
pertence à igreja, que dá abrigo ao líder religioso, é ali que ele
recebe fieis, é ali que ele prepara suas predigas, suas homílias, aí,
sem dúvida, a imunidade está presente. Então, vejam quantas situações
podem surgir.
Uma igreja, um culto religioso, tem lucro? Não. Pode
ter e convém que tenha superávit. É um jogo de palavras? É uma
brincadeira? Não é isso. É que o lucro pressupõe o animus distribuendi,
a intenção de distribuir aquilo que sobrou entre os dirigentes, entre
os fundadores, entre os servidores. Já o superávit pressupõe a intenção
de reinvestir. Portanto, o superávit de uma igreja não é um inimigo a
ser perseguido, a ser eliminado. É um objetivo a ser alcançado, é sinal
de boa administração. Quanto mais ganhos tiver uma igreja, mais ela terá
condições de expandir o culto, de ganhar novos adeptos, de atingir o
ideário de seus fundadores, não é? Daqueles que, sob a proteção de um
deus qualquer, resolveram se reunir num culto. Então, vamos afastar
aquela ideia de que não pode, em hipótese alguma, haver superávit. Pode,
sem dúvida, haver superávit. O que não pode haver é a distribuição do
que foi obtido entre os dirigentes, entre os administradores, entre os
fundadores.
E salário? A igreja pode pagar salário? Claro que
pode. Se até o Estado paga salário aos seus funcionários — e o Estado
não existe para obter lucro, mas para servir —, a igreja igualmente pode
assalariar seu porteiro, o seu vigilante, o seu faxineiro, o seu
administrador, o seu economista, o seu advogado. O que ela não pode é
efetuar uma distribuição disfarçada de lucros, uma remuneração
excessiva, uma remuneração incompatível com o mercado. Então, o mercado
de trabalho é que vai revelar se a remuneração recebida por um servidor
da igreja está de acordo com a praxe. São as leis de mercado, e, também,
na dúvida, deve-se optar pela imunidade. O trabalho voluntário é sempre
bem vindo, mas nenhuma igreja pode depender apenas da boa vontade dos
seus fieis. Há necessidade de profissionais, que, mediante salário,
mantenham o culto em funcionamento.
O próprio sacerdote — e,
quando eu falo em sacerdote entendam o pastor, o pregador, o pai de
santo — pode receber uma remuneração, desde que permita a sua
sobrevivência com dignidade. Até há apoio na lei a esse respeito. É o
artigo 22, parágrafo 13, da Lei 8.212/1991. A remuneração, desde que
razoável, desde que suficiente para que o líder religioso viva com
dignidade, não pode ser tributada por meio de imposto sobre a renda,
como também não pode ser objeto de contribuição previdenciária patronal.
Uma remuneração excessiva, no entanto, que fuja às leis de mercado,
essa evidentemente será tributável. A última palavra sempre será dada,
claro, pelo Poder Judiciário, por força do magno princípio da
universalidade da jurisdição.
Outra questão polêmica: pode a
igreja explorar atividades econômicas? Eu entendo que sim, quando
diretamente vinculadas ao culto. Em outros tempos, eu cheguei a
sustentar, por exemplo, que um estacionamento, no qual os fieis parassem
os seus veículos mediante pagamento, estaria fora da imunidade, ainda
que os ganhos desse estacionamento revertessem em beneficio do culto.
Mas todos nós temos o direito de mudar de opinião, e aqui eu invoco uma
frase de Blaise Pascal: “Não me envergonho de mudar de opinião, porque
não me envergonho de pensar”. Hoje eu estou convencido de que
não importa de onde vêm os meios, mas para onde eles se destinam. Então,
se os ganhos de um estacionamento revertem em benefício do culto,
depois do estacionamento ter evidentemente pago os tributos, esse ganhos
também são abrangidos pela imunidade, e eu estendo o raciocínio. Se
houver uma empresa comercial e os ganhos revertem para o culto, esses
ganhos também são imunes, desde que a empresa comercial recolha os
tributos que todas as empresas do ramo recolhem, até para que não se
estabeleça uma situação que afronta o princípio da livre concorrência.
Afinal, nenhuma igreja existe para explorar atividades comerciais. Mas
se ela aufere uma participação monetária dos lucros de uma empresa e se
essa participação monetária é aplicada em benefício do culto, a
imunidade tem que se fazer presente. Veja, podemos até discordar da
imunidade que a Constituição deu aos templos de qualquer culto, mas essa
discordância sob o aspecto jurídico é irrelevante. O povo brasileiro,
ao votar a Constituição, entendeu, ao contrário de outros povos, que as
igrejas, as confissões religiosas, merecem essa proteção do Estado.
Uma outra questão fundamental: mas quando há um culto?
Primeiro,
quando há uma doutrina. Depois, quando há uma aspiração à perpetuidade —
os cultos são instituídos para durarem indefinidamente —, e ainda
quando há uma organização hierárquica. A Igreja Católica, da qual eu sou
mais próximo, tem uma organização hierárquica. Até porque, se pensarmos
bem, imunidade interna faz mais sentido em relação às religiões que têm
um número menor de adeptos do que as religiões majoritárias. Essas, bem
ou mal, se manteriam, ainda que tivessem que arcar com todos os
impostos. São justamente as igrejas com poucos fieis, as igrejas em
formação, que devem receber essa especial proteção do Estado.
As
instituições educacionais e assistenciais sem finalidades lucrativas só
são imunes se obedecerem aos requisitos apontados em lei complementar.
Faz as vezes dessa lei complementar o artigo 14, do Código Tributário
Nacional, que aponta para essas instituições três requisitos: aplicar
integralmente no país os seus ganhos; remunerar seus quadros de acordo
com as leis de mercado e manter livros que comprovem o preenchimento dos
requisitos anteriores. Esses requisitos devem ser observados pelos
templos de qualquer culto? Não. Nada impede, portanto, que uma igreja
que tenha foros de universalidade auxilie igrejas localizadas em outros
países. Então, a Igreja Católica é um exemplo — e eu tomo só como
exemplo, mas os exemplos podem ser multiplicados. Esse impedimento — a
remessa de dividendos ao exterior — não alcança os templos de qualquer
culto. Eles apenas não podem fugir das suas finalidades essenciais, é o
que reza o parágrafo 4º do artigo 150 da Constituição. Podem, portanto,
efetuar a remessa de dividendos aos exterior, como podem remunerar os
seus quadros desde que de maneira compatível com as leis de mercado, e
não têm a obrigação de manter uma escrituração.
Eu sei que, logo à
tarde, o professor Ives vai, por assim dizer, também tratar desse tema.
Ele vai falar do culto e da liberdade religiosa, então, eu entendo que
essas ideias, num primeiro momento, são suficientes. O importante é que
lutemos para que essas ideias prevaleçam.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL EM
EXECUÇÃO FISCAL DE DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS POR VALOR ABAIXO AO DA
AVALIAÇÃO.
Em
segundo leilão realizado no âmbito de execução fiscal de Dívida Ativa
originalmente do INSS e agora da União, é válida a arrematação de bem
imóvel por valor abaixo ao da avaliação, exceto por preço vil. Isso
porque, nessa situação, incide o regramento especial estabelecido na
Lei 8.212/1991, sendo subsidiária a aplicação do CPC. A alienação do bem
no segundo leilão por qualquer valor, excetuado o vil, é permitida pelo
art. 98, II, da Lei 8.212/1991. Assim, o art. 690, § 1º, do CPC não é
aplicável a essa hipótese, pois, ao exigir a alienação do imóvel por
valor nunca inferior ao da avaliação, revela-se incompatível com o art.
98 da Lei 8.212/1991. REsp 1.431.155-PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27/5/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL MEDIANTE
PAGAMENTO PARCELADO EM EXECUÇÃO FISCAL DE DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS.
Em
segundo leilão realizado no âmbito de execução fiscal de Dívida Ativa
originalmente do INSS e agora da União, é válida a arrematação de bem
imóvel mediante pagamento parcelado, podendo a primeira parcela ser
inferior a 30% do valor da avaliação. Isso porque, nessa
situação, incide o regramento especial estabelecido na Lei 8.212/1991,
sendo subsidiária a aplicação do CPC. O art. 98, § 1º, da Lei 8.212/1991
permite a alienação do bem no segundo leilão mediante pagamento
parcelado do valor da arrematação, na forma prevista para os
parcelamentos administrativos de débitos previdenciários (hodiernamente,
arts. 10 e seguintes da Lei 10.522/2002). Assim, o art. 690, § 1º, do
CPC não é aplicável a essa hipótese, pois, ao exigir oferta de pelo
menos 30% do valor à vista e priorizar a "proposta mais conveniente",
revela-se incompatível com o art. 98 da Lei 8.212/1991. REsp 1.431.155-PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27/5/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL EM
EXECUÇÃO FISCAL EM CONDIÇÕES NÃO PUBLICADAS EM EDITAL DE LEILÃO.
Em
segundo leilão realizado no âmbito de execução fiscal de Dívida Ativa
originalmente do INSS e agora da União, caso não publicadas as condições
do parcelamento no edital do leilão, é nula a arrematação de bem imóvel
por valor abaixo ao da avaliação e mediante o pagamento da primeira
parcela em montante inferior a 30% ao da avaliação. Isso
porque, nessa situação, incide o regramento especial estabelecido na Lei
8.212/1991, sendo subsidiária a aplicação do CPC. O art. 98, § 2º, da
Lei 8.212/1991 determina que todas as condições do parcelamento constem
do edital de leilão. A falta dos requisitos do parcelamento do valor da
arrematação no edital de leilão gera nulidade na forma do art. 244 do
CPC, casos em que a nulidade poderia ser sanada se o ato, realizado de
outra forma, alcançasse sua finalidade. Na hipótese, acaso houvesse sido
publicada a possibilidade de parcelamento, poderiam acorrer à hasta
pública outros licitantes, que foram afastados pelas condições mais
duras de arrematação. Embora a arrematação tenha ocorrido, e o preço não
tenha sido vil, a falta de publicação das condições do parcelamento no
edital de leilão prejudicou a concorrência e, por consequência, o
executado, que viu seu bem ser alienado por valor inferior ao que
poderia atingir se houvesse outros concorrentes. REsp 1.431.155-PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27/5/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO PARA A FAZENDA PÚBLICA EM EXECUÇÃO FISCAL.
Não
implica preclusão a falta de imediata impugnação pela Fazenda Pública
da alegação deduzida em embargos à execução fiscal de que o crédito
tributário foi extinto pelo pagamento integral. A preclusão
consiste na simples perda de uma faculdade processual. Nos casos
relacionados a direitos materiais indisponíveis da Fazenda Pública, a
falta de manifestação não autoriza concluir automaticamente que são
verdadeiros os fatos alegados pela parte contrária. Em razão da
indisponibilidade do direito controvertido e do princípio do livre
convencimento, nada impede, inclusive, que o juízo examine esse tema. REsp 1.364.444-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 8/4/2014.
DIREITO TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL (REFIS) DECORRENTE DA INEFICÁCIA DO PARCELAMENTO.
A
pessoa jurídica pode ser excluída do REFIS quando se demonstre a
ineficácia do parcelamento, em razão de o valor das parcelas ser
irrisório para a quitação do débito. Com efeito, o REFIS é um
programa que impõe ao contribuinte o pagamento das dívidas fiscais por
meio de parcelamento, isto é, o débito tributário é amortizado pelo
adimplemento mensal. A par disso, a impossibilidade de quitar o débito é
equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão de parcelamento com
fundamento no art. 5º, II, da Lei 9.964/2000. Nessa hipótese, em razão
da “tese da parcela ínfima”, é justificável a exclusão de contribuinte
do REFIS, uma vez que o programa de parcelamento foi criado para
regularizar as pendências fiscais, prevendo penalidades pelo
descumprimento das obrigações assumidas, bem como a suspensão do crédito
tributário enquanto o contribuinte fizer parte do programa. Assim, não
se pode admitir a existência de débito tributário perene, ou até,
absurdamente, que o valor da dívida fiscal aumente tendo em vista o
transcurso de tempo e a irrisoriedade das parcelas pagas. Nesse passo, o
STJ já decidiu ser possível a exclusão do contribuinte do REFIS quando a
parcela se mostrar ínfima, nos mesmos moldes do Programa de
Parcelamento Especial – PAES, criado pela Lei 10.684/2003. De fato, a
finalidade de todo parcelamento, salvo disposição legal expressa em
sentido contrário, é a quitação do débito, e não o seu crescente
aumento. Nesse passo, ao se admitir a existência de uma parcela que não é
capaz de quitar sequer os encargos do débito, não se está diante de
parcelamento ou de moratória, mas de uma remissão, pois o valor do
débito jamais será quitado. Entretanto, a remissão deve vir expressa em
lei, e não travestida de parcelamento, consoante exigência do art. 150, §
6º, da CF. Ademais, a fragmentação do débito fiscal em parcelas ínfimas
estimularia a evasão fiscal, pois a pessoa jurídica devedora estaria
suscetível a ter a sua receita e as suas atividades esvaziadas por seus
controladores, os quais pari passu estariam encorajados a
constituir nova pessoa jurídica, que assumiria a receita e as atividades
desenvolvidas por aqueloutra incluída no REFIS. Esse procedimento de
manter a pessoa jurídica antiga endividada para com o Fisco, pagando
eternamente parcelas irrisórias, e nova pessoa jurídica desenvolvendo as
mesmas atividades outrora desenvolvidas pela antiga, constitui
simulação vedada expressamente pelo CTN. Por fim, em relação aos crimes
previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990 e 95 da Lei 8.212/1991,
durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos
aludidos crimes estiver incluída no REFIS, a pretensão punitiva se
encontrará suspensa, demostrando a toda evidência a opção legislativa
pelo recebimento do crédito tributário em vez de efetuar a punição
criminal. Por tudo isso, não há como sustentar um programa de
parcelamento que permita o aumento da dívida ao invés de sua
amortização, em verdadeiro descompasso com o ordenamento jurídico, que
não tolera a conduta criminosa, a evasão fiscal e a perenidade da dívida
tributária para com o Fisco. Precedente citado: REsp 1.238.519-PR,
Segunda Turma, DJe 28/8/2013. REsp 1.447.131-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/5/2014.
Por
Adriana Aguiar
Companhias de navegação e estaleiros têm obtido importantes precedentes
na Justiça e em tribunais administrativos para afastar a cobrança do
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Importação
(II) relativa a peças e componentes importados destinados ao reparo de
embarcações. Por lei, essas mercadorias possuem direito à isenção, desde
que preencham certos requisitos. A Receita Federal, porém, exige para
conceder a benesse a comprovação da inexistência de produtos similares
nacionais.
Decisões recentes do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, com
sede no Rio de Janeiro, e da Delegacia da Receita Federal de Julgamento
(DRJ), em Florianópolis (SC), deram vitória aos contribuintes. São
precedentes relevantes porque companhias do setor têm sofrido autuações
milionárias, segundo o advogado Eduardo Kiralyhegy, do escritório
Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados. De acordo com ele, a
decisão do TRF da 2ª região é a primeira de segunda instância que se tem
notícias. “Esse julgamento pavimenta o caminho para um resultado
favorável às empresas”, diz.
A decisão dos desembargadores foi unânime para negar provimento ao
recurso da União. Dessa forma, foi mantida a sentença favorável a um
estaleiro naval, que teve um auto de infração anulado. A empresa tinha
importado em janeiro de 2012 dois resfriadores de fabricação holandesa
para serem instalados em uma embarcação brasileira. Porém, foi intimada a
comprovar a inexistência de produto similar nacional para obter a
licença de importação emitida pelo Departamento de Operações de Comércio
Exterior (Decex). Sem comprovação, foi autuada pela Receita Federal.
As companhias alegam que a Lei nº 8.032, de 1990, que trata de isenção
do Imposto de Importação, e a Lei nº 9.493, de 1997, que concede isenção
do IPI, não exigem a comprovação de inexistência de produto similar
nacional. Segundo a defesa das companhias, o parágrafo 6º do artigo 150
da Constituição é claro ao dizer que a isenção de imposto só será
concedida mediante lei específica, como ocorre no caso.
A Fazenda Nacional, por sua vez, argumenta no processo que a
determinação para a comprovação de que não existem produtos nacionais
semelhantes está expressa no artigo 118 do Regulamento Aduaneiro ao
tratar das isenções previstas no Decreto-lei nº 37, de 1966.
Na recente decisão da 4ª Turma do TRF-2, o relator, desembargador Luiz
Antonio Soares, entendeu que “não há necessidade de comprovação de
inexistir similar no mercado nacional para fins de não incidência do
imposto de importação, uma vez que não se pode fazer ressalvas, quando a
própria lei que concede a isenção não o faz”.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)
informou por nota que ainda não foi intimada da decisão do TRF. “Após a
devida intimação, deverão ser examinadas as providências processuais
adequadas, não sendo descartada a interposição dos recursos cabíveis”,
diz a nota.
Em consequência dessa discussão, em setembro de 2012, o Sindicato
Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), que reúne 48
empresas do setor, obteve liminar no TRF da 1ª Região, com sede em
Brasília, para impedir que a Receita imponha essa condição para a
liberação de mercadorias importadas. Segundo Kiralyhegy, que também
representa o sindicato, a decisão ainda está em vigor e o processo está
concluso para sentença. Contudo, as companhias continuam sendo autuadas
por fatos que ocorreram antes e depois da obtenção da liminar. Neste
último caso, os autos de infração ficam com efeitos suspensos até
decisão definitiva. “Essa condição de inexistência de produto similar
nacional nunca existiu. Até que a Receita Federal mudou seu entendimento
e as empresas passaram a conviver com o fantasma de poderem ser
autuadas pelas suas importações”, diz.
Os contribuintes ainda ganharam um caso favorável na 1ª Turma da
Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ) em Florianópolis (SC).
Em julgamento ocorrido em abril, todos foram unânimes a favor do
cancelamento de uma autuação de cerca de R$ 6 milhões sofrida por uma
empresa do setor. Para o advogado da companhia, Marcelo Carvalho
Pereira, do Gaia, Silva, Gaede & Associados, “a decisão deve servir
de paradigma para outros casos. Até porque é o reconhecimento da própria
Receita Federal de que não há que se falar em similaridade porque a
legislação específica não previu”. A decisão contudo, manteve parte da
autuação sofrida pela empresa porque a companhia não conseguiu comprovar
que a mercadoria importada foi usada exatamente na embarcação alegada.
“Sob esse aspecto tem sido mais penoso produzir essas provas”, diz.
O tributarista Eduardo Kiralyhegy ressalta que por se tratar de uma
decisão da DRJ de Florianópolis, para onde são encaminhados todos os
processos que envolvam tributos sobre o comércio exterior, “as chances
de decisões similares em casos ainda pendentes de análise são muito
grandes”.
Fonte:
Valor Econômico Associação
Paulista de Estudos Tributários, 8/7/2014
12:08:34