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sexta-feira, 2 de maio de 2014

BASE DE CÁLCULO DA CIDE ROYALTIES

Cálculo da CIDE gera controvérsia e insegurança jurídica

 
Um dos assuntos mais polêmicos relacionados às remessas ao exterior por pagamento de serviços prestados por residentes estrangeiros é a questão do montante a ser percebido como base de cálculo da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e, por consequência, o valor a ser pago a título de tal contribuição. Em mais um dos embates travados entre contribuintes e a Receita Federal do Brasil, uma boa notícia surgiu no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que parece definir qual o valor, enfim, que deve ser adotado como base de cálculo de tal contribuição.
Em mais uma decisão favorável aos contribuintes, a 4ª Câmara da Terceira Turma Ordinária da Terceira Seção de Julgamento do Carf, em julgamento no dia 29 de janeiro de 2014, prolatou o Acórdão 3403-002.702, determinando que o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente sobre as remessas ao exterior para pagamento de serviços técnicos prestados por residentes no exterior não deve ser incluído na base de cálculo da Cide, quando o ônus do imposto for suportado pela fonte pagadora brasileira.
 
A Cide, instituída por meio da Lei 10.168, de 29 de dezembro de 2000, é uma contribuição que incide sobre os pagamentos referentes a contratos envolvendo licenças de uso ou aquisição de conhecimentos tecnológicos e de transferência de tecnologia firmados com residentes ou domiciliados no exterior, bem como sobre os pagamentos ao exterior por royalties de qualquer natureza e decorrentes de contratos envolvendo serviços técnicos, de assistência administrativa e semelhantes, prestados por residentes ou domiciliados no exterior, independentemente de haver transferência de tecnologia.
 
Nos termos do artigo 2º, parágrafo 3º da Lei 10.168/00, a base de cálculo da contribuição corresponde aos valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, a cada mês, como remuneração das obrigações contratadas, sobre a qual deverá ser aplicada a alíquota de 10%.
 
No que diz respeito ao valor que deve ser entendido por “remuneração” para fins de incidência da CIDE, reiteradamente a Receita Federal tem se manifestado no sentido de que esta é o valor total (bruto) contratado, incluindo-se os valores correspondentes ao IRRF e ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Isto porque, tanto o IRRF como o ISS são tributos devidos sobre a remuneração a ser recebida pelo residente estrangeiro, porém devem ser retidos e pagos no Brasil pelo contratante na qualidade de responsável tributário.
 
Como consequência, a Receita Federal entende que caso as partes contratantes acordem em um valor a ser remetido ao exterior líquido de tributos, o contratante brasileiro deve promover o reajustamento da base de cálculo da Cide (gross up), incluindo os valores de IRRF e do ISS, tal como o faz para o cálculo e recolhimento destes últimos tributos.
 
O entendimento da RFB decorre de interpretação analógica calcada nas regras atinentes ao IRRF, especificamente no artigo 5º da Lei nº 4.154, de 28 de novembro de 1962, o qual determina que “quando a fonte pagadora assumir o ônus do imposto devido pelo beneficiado, a importância paga, creditada, empregada, remetida ou entregue, será considerada como líquida, cabendo o reajustamento do respectivo rendimento bruto, sobre o qual recairá o tributo”. Tal dispositivo é fielmente reproduzido pelo artigo 725 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999).
 
Este entendimento fazendário vem gerando questionáveis autuações (como esta decidida favoravelmente aos contribuintes), tendo em vista que, além da falta de respaldo legal para majorar a base de cálculo via seu reajustamento, ignora por completo os limites da base de cálculo da CIDE, acarretando uma exigência ilegal e inconstitucional e, nesta medida, injusta e confiscatória.
São vários os argumentos contrários ao entendimento da Receita Federal.
 
Diferentemente do que ocorre com o IRRF, a legislação pertinente à Cide não detém qualquer regra que determine o reajustamento da base de cálculo quando a fonte pagadora assuma o ônus de pagamento dos tributos incidentes sobre a remuneração. Ao contrário, a Lei 10.168/00 é categórica ao estabelecer que a base de cálculo será sempre a remuneração do contratado estrangeiro, sem fazer referência à quaisquer acréscimos.
 
A esse respeito, ressaltamos que “remuneração” deve ser entendida como o valor contratualmente estabelecido a título de contraprestação devida pelo contratante brasileiro ao contratado estrangeiro em contrapartida das obrigações contraídas por este (estrangeiro) no âmbito de um dos contratos internacionais sujeitos à Cide.
 
Nesta linha de raciocínio, o fato das partes acordarem quem irá assumir o ônus financeiro do IRRF e do ISS não modifica a remuneração pactuada. Rememoramos que, dentre as diversas funções da base de cálculo dos tributos, esta deve representar uma grandeza valorativa do fato que se pretende tributar. Com efeito, quando da instituição de um tributo, ao legislador infraconstitucional cabe selecionar um aspecto dimensível do núcleo da incidência para eleger como base de cálculo, sendo tal prerrogativa limitada aos contornos do fato que se pretende tributar[1].
 
Nesse sentido, com relação à Cide, considerando que sua materialidade é o acordo de determinados contratos internacionais (licenças de uso, royalties, serviços técnicos, entre outros apontados acima), sua base de cálculo não poderia ser outra senão o valor da remuneração decorrente destes contratos (contraprestação contratual), sendo esta a dimensão valorativa do fato tributável (atividade desempenhada no âmbito do contrato). Justamente por tal razão é que, como visto, a Lei nº 10.168/00 expressamente faz alusão à remuneração como base de cálculo, devendo, portanto, a exação recair apenas e exclusivamente sobre esta.
 
Assim, o fato de a fonte pagadora assumir o ônus do IRRF e do ISS não significa que o valor da remuneração contratual tenha sido majorado, ao contrário, quer apenas significar que a remuneração líquida pactuada não sofreu dilapidação pela carga tributária, uma vez que esta não foi suportada pelo seu beneficiário.
 
Dessa forma, pretender que a Cide recaia sobre valores alheios à efetiva remuneração contratual, extrapolando a base de cálculo legalmente estipulada para a exação, é permitir que seja realizada uma tributação confiscatória, contrariando garantias constitucionais de uma tributação justa, razoável e proporcional.
 
Foi neste sentido que bem consignou o Conselheiro Antonio Carlos Atulim, no voto vencedor do Acórdão 3403-002.702, que o núcleo da incidência da Cide é justamente a remuneração do fornecedor domiciliado ou residente no exterior pelas obrigações contraídas, não havendo qualquer indicação de que a Lei 10.168/00 pretendesse que a Cide incidisse sobre o IRRF (o mesmo aqui, a nosso ver, aplicável ao ISS) quando o tomador do serviço, domiciliado no Brasil assumisse o ônus financeiro deste tributo.
 
Segundo o Conselheiro, não se pode presumir que o valor a ser pago ao contratado estrangeiro seja composto pela remuneração e pelo IRRF, tendo em vista que o que se estipula em contrato é um único valor a ser pago a título de contraprestação por um serviço, sendo somente este eleito por lei como base de cálculo da Cide. Apontou, ainda, que não se pode aplicar para a Cide o raciocínio de que se o ônus financeiro do IRRF for suportado pela fonte pagadora, o pagamento efetivo seria maior do que a importância líquida remetida ao contratado, tendo em vista que se trata de raciocínio econômico que, ao contrário do que ocorre com o IRRF, não foi juridicizado pela legislação que trata sobre a Cide.
 
Para melhor elucidar os fundamentos pelos quais se afastou no julgado em análise o IRRF da base de cálculo da Cide, trazemos abaixo os seguintes trechos do voto vencedor:
 
Nesse passo, não se pode assumir que o valor a ser pago ao beneficiário no exterior seja composto pela remuneração do serviço e pelo IRRF. Isto porque, num primeiro momento, o que existe é a apenas a remuneração estabelecida em contrato, ou seja, um valor único a ser pago a título de contraprestação por um bem ou serviço recebido. Somente após o pagamento, ou melhor, somente após o pagamento se transformar em rendimento do beneficiário no exterior é que será cabível falar em incidência de Imposto de Renda. Assim, embora sob o ponto de vista econômico seja possível sustentar que o valor do IRRF esteja contido no valor da remuneração do serviço, sob o ponto de vista jurídico o que existe é apenas a remuneração. E apenas a remuneração estipulada em contrato foi eleita pela lei como sendo a base de cálculo da CIDE.
(...)
Resumindo: independente de quem assuma o ônus financeiro pelo recolhimento do IRRF, a contribuição instituída pelo art. 2º da Lei nº 10.168/00 incide sobre o valor da remuneração pactuada em contrato, sendo incabível incluir ou excluir de sua base de cálculo o IRRF incidente sobre o mesmo fato.
 
Em que pese a legalidade de se fazer recair a Cide tão somente sobre o valor da efetiva remuneração pelos contratos internacionais, sem a inclusão de quaisquer outros valores alheio a tal materialidade, tais como o IRRF e o ISS, é certo que a adoção deste procedimento por parte dos contribuintes levará a retaliações fiscais por parte da Receita Federal, tal como vem sendo feito atualmente.
 
Nesse contexto, o recente Acórdão 3403-002.702 se mostra um importante precedente para contribuintes que tenham sido questionados pela não inclusão dos mencionados impostos na base de cálculo da Cide, bem como para aqueles possuam contratos internacionais sujeitos à tal contribuição, pois, em que pese dispor apenas sobre a exclusão do IRRF, não fazendo qualquer menção ao ISS — o qual deve ser afastado pelo mesmo fundamento —, ratifica a improcedência do entendimento fazendário.
 
É fato que a questão é ainda muito polêmica no âmbito do Carf, havendo diversos precedentes favoráveis ao entendimento da Receita Federal assim como outros partidários do entendimento dos contribuintes, mas nenhuma manifestação unificadora da jurisprudência administrativa federal emanada da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf.
 
Tal cenário de instabilidade acaba por colocar o contribuinte em situação de nítida insegurança jurídica, eis que, se de um lado o seu direito é cristalino e amparado pela legislação, de outro lado o entendimento da Receita Federal, apesar de ilegal e incoerente, é deliberadamente aplicado e, em alguns casos, acaba prevalecendo.
 
É certo que tal insegurança acaba por implicar em prejuízos que transcendem os interesses negociais dos contribuintes e a missão arrecadatória da RFB, tendo em vista que afeta a contratação de negócios internacionais, sendo fator desestimulante de investimento estrangeiro no Brasil.
 
Sim, pois se pela segurança jurídica se busca uma confiança de que dado comportamento, de acordo com o direito vigente, seguirá sendo reconhecido pelo ordenamento jurídico com todos os seus efeitos jurídicos[2], mantendo-se a estabilidade jurídica do Estado democrático de direito, a constante indefinição quanto aos efeitos jurídicos desta conduta — no presente caso alcance da base de cálculo da Cide — acaba por gerar incertezas aos contribuintes que não sabem se devem observar as nítidas disposições legais ou se render à sede arrecadatória do Estado.
 
De qualquer forma, espera-se que o Acórdão 3403-002.702 represente um direcionamento jurisprudencial em favor do bom direito, afastando o entendimento ilegal da Receita Federal e pacificando a questão. Enquanto não se sedimenta a discussão, resta aos contribuintes apenas buscar a defesa de seus direitos, seja preventivamente junto ao Poder Judiciário ou repressivamente em face de autuações fiscais.

[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. Saraiva. 2012. p. 401
[2] PANDOLFO, Rafael. Jurisdição constitucional tributária – Reflexos nos processos administrativo e judicial. São Paulo: Noeses, 2012. p. 90

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