ED: serventia extrajudicial e concurso público
Por reputar ausentes os pressupostos de
embargabilidade, o Plenário rejeitou embargos de declaração e manteve o
entendimento firmado no sentido de não haver direito adquirido do substituto,
que preencheu os requisitos do art. 208 da Constituição pretérita, à
investidura na titularidade de cartório, quando a vaga tenha surgido após a
promulgação da Constituição de 1988,
a qual exige expressamente, no seu art. 236, § 3º, a
realização de concurso público de provas e títulos para o ingresso na atividade
notarial e de registro. Inicialmente, a Corte denegou pedido de sobrestamento
do feito para que fosse apreciado, em conjunto, com a ADI 4.300/DF. O ora
embargante arguia a ocorrência de conexão por prejudicialidade, uma vez que na
mencionada ação direta questiona-se a legitimidade constitucional do modo de
atuar do Conselho Nacional de Justiça - CNJ no tocante a questão dos cartórios
brasileiros. A Ministra Rosa Weber (relatora) destacou anterior deferimento de
pleito formulado pela mesma parte para que os embargos apenas fossem examinados
após o julgamento do MS 26.860/DF, que versaria o mesmo tema do presente
processo. Salientou sua perplexidade diante de requerimento manifestado da
tribuna, para que o feito fosse analisado anteriormente ao aludido MS
26.860/DF. O Ministro Joaquim Barbosa (Presidente) observou que, dessa maneira,
estar-se-ia sempre fazendo remissão a outro processo. Em seguida, o Tribunal
aduziu que o acórdão impugnado não padeceria de quaisquer dos vícios que
autorizariam a oposição de embargos declaratórios. Consignou tratar-se de
tentativa de rediscussão da matéria. Asseverou que, não obstante a Ministra
Rosa Weber tivesse adotado, no MS 26.860/DF, tese consentânea à defendida pelo
ora embargante, haveria distinção entre mérito da causa e mérito do recurso.
Afirmou que o mérito do recurso em debate diria respeito à presença, ou não, de
vícios ensejadores de embargos de declaração.
O Colegiado reiterou, ainda, a inocorrência de omissão em torno dos temas
relativos à decadência para a Administração Pública e aos princípios constitucionais
da segurança jurídica e da boa-fé, devidamente analisados e afastados.
MS 28279 ED/DF, rel. Min. Rosa Weber, 2.4.2014. (MS-28279)
Serventia extrajudicial e concurso público - 5
Inexiste
direito adquirido à efetivação na titularidade de cartório quando a vacância do
cargo ocorre na vigência da Constituição de 1988, que exige a submissão a
concurso público, de modo a afastar a incidência do art. 54 da Lei 9.784/1999
(“O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data
em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”) a situações flagrantemente
inconstitucionais. Ao ratificar essa diretriz firmada no MS 28.279/DF (DJe de
29.4.2011), o Tribunal, em conclusão de julgamento, denegou mandado de
segurança em que se pleiteava a declaração de insubsistência de resolução do
Conselho Nacional de Justiça - CNJ por meio da qual determinara a imediata
desconstituição da outorga de titularidade de serventia extrajudicial aos
impetrantes. Tratava-se de substitutos efetivados entre 1992 e 1994 — por ato
do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, com fundamento no, ora
revogado, art. 31 do ADCT da Constituição da mesma unidade federativa —, sem
prévia aprovação em concurso público, em serventias cujas vacâncias ocorreram
posteriormente à atual Constituição — v. Informativo 659. Por conseguinte, o
Colegiado declarou o prejuízo dos agravos regimentais interpostos da decisão
que indeferira a medida liminar. Destacou que o art. 236, § 3º, da CF (“Art.
236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por
delegação do Poder Público. ... § 3º - O ingresso na atividade notarial e de
registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que
qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de
remoção, por mais de seis meses”) seria norma constitucional autoaplicável.
Assim, rejeitou tese de que somente com a edição da Lei 8.935/1994 — que regulamenta
o art. 236 da CF, ao dispor sobre serviços notariais e de registro — a referida
norma teria conquistado plena eficácia. Aduziu, ademais, que o aludido preceito
condicionaria o ingresso na atividade notarial e de registro à aprovação em
concurso público de provas e títulos. Ponderou que os princípios republicanos
da igualdade, da moralidade e da impessoalidade deveriam nortear a ascensão às
funções públicas.
MS
26860/DF, rel. Min. Luiz Fux, 2.4.2014.
(MS-26860)
Serventia extrajudicial e concurso público - 6
Sob
o ângulo do princípio da confiança, consectário da segurança jurídica do Estado
de Direito, a Corte acentuou que o mencionado postulado pressuporia, desde a
origem, situação a que o administrado não teria dado ensejo. Registrou que nas
hipóteses em que o exercício do direito calcar-se-ia em inconstitucionalidade
flagrante, seria evidente a ausência de boa-fé, requisito indispensável para a
incidência do princípio da proteção da confiança. Frisou que o prazo
decadencial basear-se-ia na ausência de má-fé. O Ministro Roberto Barroso
acompanhou a conclusão, porém, por fundamento diverso. Salientou que a situação
dos autos não versaria sobre vício banal de ilicitude, mas sobre
inconstitucionalidade, causa de invalidade mais grave do sistema jurídico.
Afirmou que, paralelamente à técnica da modulação temporal da declaração de
inconstitucionalidade, seria possível a fixação, nesses casos, de um marco
final para a desconstituição de efeitos jurídicos. Ponderou pela incidência do
maior prazo previsto no Código Civil, qual seja, vinte anos no código de 1916 e
dez anos no vigente. Tendo isso em conta, assentou que não se verificaria a
decadência no tocante aos atos questionados. Vencidos a Ministra Rosa Weber e o
Ministro Marco Aurélio, que concediam a segurança. Observavam que o CNJ teria
cassado atos praticados por tribunal de justiça há mais de dez anos. Além
disso, realçavam não estar descaracterizada a boa-fé dos impetrantes. Por fim,
o Tribunal reiterou a autorização aos relatores para decidirem monocraticamente
sobre o tema.
MS
26860/DF, rel. Min. Luiz Fux, 2.4.2014.
(MS-26860)
Repercussão Geral
Servidor público:
reajuste de vencimentos e dever estatal de indenização - 3
O
Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute
eventual direito de indenização por danos patrimoniais decorrentes de omissão
do Poder Executivo estadual pelo não envio de projeto de lei destinado a
viabilizar o reajuste geral e anual dos vencimentos de servidores públicos da
respectiva unidade federativa, consoante previsto no inciso X do art. 37 da CF
(“A remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do
art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada
a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na
mesma data e sem distinção de índices”) — v. Informativo 630. Em voto-vista, a
Ministra Cármen Lúcia acompanhou o Ministro Marco Aurélio, relator, para dar
provimento ao recurso. Salientou, de início, a inovação introduzida no sistema
constitucional brasileiro a partir de 1998, com a fixação de dever ao
empregador estatal de realizar a revisão geral como garantia necessária em uma
economia ainda frágil, com índices inflacionários a corroer o valor da moeda e
o ganho dos trabalhadores. Em seguida, a Ministra distinguiu reajuste de
revisão. Asseverou, ainda, que o não cumprimento da obrigação de promover a
revisão geral anual expressamente prevista no texto constitucional teria
causado danos aos servidores públicos. Rememorou que o STF já reconhecera a
mora do Governador do Estado de São Paulo pela ausência de lei específica nos
moldes exigidos pelo art. 37, X, da CF, quando da análise da ADI 2.492/SP (DJU
de 22.3.2002). Tendo em vista se tratar de omissão ilícita, reputou que o
ressarcimento devido teria natureza reparatória. Afastou, também, a incidência
do Enunciado 339 da Súmula do STF (“Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem
função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento
de isonomia”), porque a situação dos autos não envolveria aumento ou reajuste
sem lei específica. Observou, além disso, que no Estado de São Paulo foram
editadas leis meramente simbólicas, desprovidas de conteúdo concretizador do
direito à revisão geral anual.
RE
565089/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 3.4.2014. (RE-565089)
Servidor público: reajuste de vencimentos e dever estatal de
indenização - 4
Por
outro lado, o Ministro Roberto Barroso inaugurou a divergência e negou
provimento ao extraordinário. Ressaltou não vislumbrar no artigo em questão
dever específico de que a remuneração dos servidores fosse objeto de aumentos
anuais e, tampouco, em percentual obrigatoriamente correspondente à inflação
apurada no período. Aduziu que a exegese do termo “revisão” abarcaria
entendimento no sentido de que o art. 37, X, da CF exigiria uma avaliação
anual, que poderia resultar, ou não, em concessão de aumento. Destacou,
outrossim, que o preceito deveria ser interpretado em conjunto com outros
dispositivos que se distanciariam da lógica de reajustes automáticos e de
indexação econômica (CF, artigos 7º, IV, e 37, XIII). Assinalou que a tese
segundo a qual a adoção de índice inferior à inflação de determinado período
importaria automaticamente em degradação do direito de propriedade mereceria
temperamentos. Consignou que a indexação, embora legítima na tentativa de neutralizar
o fenômeno inflacionário, teria como efeito colateral a retroalimentação desse
mesmo processo de inflação. Advertiu para a necessidade de que os reajustes fossem
condicionados às circunstâncias econômicas de cada momento. Por fim, concluiu
que o art. 37, X, da CF imporia ao Chefe do Poder Executivo o dever de se
pronunciar anualmente e de forma fundamentada sobre a conveniência e a
possibilidade de reajuste anual do funcionalismo. Na sequência, pediu vista dos
autos o Ministro Teori Zavascki.
RE
565089/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 3.4.2014. (RE-565089)
RELATOR: MIN. DIAS
TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com
agravo. Administrativo. Concurso público. Preenchimento do requisito etário.
Discussão. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Ausência de repercussão
geral da matéria. Precedentes.
1. Inadmissível, em recurso
extraordinário, o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência da
Súmula nº 279/STF.
2. O Plenário desta Corte,
no exame do ARE nº 690.113/RS, Relator o Ministro Cezar Peluso, concluiu
pela ausência de repercussão geral do tema relativo ao “preenchimento de
requisitos exigidos em edital de concurso para provimento de cargo público”,
dado o caráter infraconstitucional da matéria.
3. Agravo regimental não
provido.
AG. REG. NO ARE N.
788.795-PR
RELATOR: MIN. RICARDO
LEWANDOWSKI
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. AGRAVO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
I – A jurisprudência desta
Corte firmou-se no sentido de que é solidária a obrigação dos entes da
Federação em promover os atos indispensáveis à concretização do direito à
saúde, tais como, na hipótese em análise, o fornecimento de medicamento à
recorrida, paciente destituída de recursos materiais para arcar com o próprio
tratamento. Desse modo, a usuária dos serviços de saúde, no caso, possui
direito de exigir de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento
da referida obrigação. Precedentes.
II – Agravo regimental a que
se nega provimento.
RE N. 550.769-RJ
RELATOR: MIN. JOAQUIM
BARBOSA
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA.
NÃO-PAGAMENTO DE TRIBUTO. INDÚSTRIA DO CIGARRO. REGISTRO ESPECIAL DE
FUNCIONAMENTO. CASSAÇÃO. DECRETO-LEI 1.593/1977, ART. 2º, II.
1. Recurso extraordinário
interposto de acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região,
que reputou constitucional a exigência de rigorosa regularidade fiscal para
manutenção do registro especial para fabricação e comercialização de cigarros
(DL 1.593/1977, art. 2º, II).
2. Alegada contrariedade à
proibição de sanções políticas em matéria tributária, entendidas como qualquer
restrição ao direito fundamental de exercício de atividade econômica ou
profissional lícita. Violação do art. 170 da Constituição, bem como dos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
3. A orientação firmada pelo
Supremo Tribunal Federal rechaça a aplicação de sanção política em matéria
tributária. Contudo, para se caracterizar como sanção política, a norma
extraída da interpretação do art. 2º, II, do Decreto-lei 1.593/1977 deve
atentar contra os seguintes parâmetros: (1) relevância do valor dos créditos
tributários em aberto, cujo não pagamento implica a restrição ao funcionamento
da empresa; (2) manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de
controle do ato de aplicação da penalidade; e (3) manutenção proporcional e
razoável do devido processo legal de controle da validade dos créditos
tributários cujo não-pagamento implica a cassação do registro especial.
4. Circunstâncias que não
foram demonstradas no caso em exame.
5. Recurso extraordinário
conhecido, mas ao qual se nega provimento.
AG. REG. NO AI N.
836.957-MA
RELATOR: MIN. DIAS
TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental no agravo de instrumento.
Servidor público. Férias não gozadas. Indenização. Possibilidade. Precedentes.
1. É pacífica jurisprudência
da Corte no sentido de que o servidor público tem direito ao recebimento de
indenização pelas férias não gozadas por vontade da Administração, tendo em
vista a vedação ao enriquecimento sem causa.
2. Agravo regimental não
provido.
Transcrições
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão
mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de
decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse
da comunidade jurídica.
Concurso Público - Procedimentos Penais - Ausência de
Condenação Irrecorrível - Presunção Constitucional de Inocência - Exclusão do
Candidato - Inadmissibilidade (Transcrições)
ARE 733.957-AgR/CE*
RELATOR: Ministro Celso de
Mello
EMENTA: CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL.
VIDA PREGRESSA DO CANDIDATO. EXISTÊNCIA DE
REGISTROS CRIMINAIS. PROCEDIMENTOS PENAIS DE QUE NÃO
RESULTOU CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. EXCLUSÃO
DO CANDIDATO. IMPOSSIBILIDADE.
TRANSGRESSÃO AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO
DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). RECURSO
EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
- A exclusão de candidato regularmente
inscrito em concurso público, motivada, unicamente, pelo
fato de existirem registros de infrações penais de que não
resultou condenação criminal transitada em julgado vulnera,
de modo frontal, o postulado constitucional do estado
de inocência, inscrito no art. 5º, inciso LVII,
da Lei Fundamental da República. Precedentes.
DECISÃO: Reconsidero
a decisão ora agravada, restando prejudicado, em
consequência, o exame do recurso contra ela
interposto. Passo, desse modo, a apreciar
o presente agravo. E, ao fazê-lo, observo que o
recurso extraordinário em questão foi interposto contra
acórdão que, proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do
Ceará, está assim ementado:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO
PÚBLICO PARA O CARGO DE AGENTE PENITENCIÁRIO. CANDIDATO ELIMINADO NA
FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL. INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA COM
TRÂNSITO EM
JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE
EXCLUSÃO DE CANDIDATO. PRECEDENTES DO STF E DESTA
CORTE DE JUSTIÇA.
– Preliminar de necessidade de intimação dos outros
candidatos na qualidade de litisconsortes afastada, visto que esses não possuem
ainda o direito líquido e certo à nomeação.
– No mérito, é entendimento consolidado, quer no
Supremo Tribunal Federal, quer nesta Corte de Justiça que a fase de
investigação social deve ser realizada com temperança, haja vista que o
princípio da presunção de inocência deve suplantar as situações em que o
candidato não tenha ainda sentença condenatória.
– No caso de que se cuida, foi constatado que o apelado recebeu
a decretação de extinção da punibilidade, em processo que tramitou na
1ª Vara de Delitos de Trânsito e teve arquivada outra ação, que correu
na 11ª Unidade dos Juizados Cíveis e Criminais, não se prestando qualquer
delas para infirmar a idoneidade do candidato.
– Os honorários e custas foram fixados em consonância com as
disposições do art. 20, § 4º, para as causas de pequeno valor, não havendo
necessidade de mudança.
– Recursos oficial e voluntário conhecidos, mas
desprovidos.” (grifei)
O Estado do Ceará, ao deduzir o apelo
extremo em referência, alega que o Tribunal de Justiça local teria
transgredido os preceitos inscritos no art. 2º e no
art. 5º, “caput” e inciso LVII, da Constituição da
República.
O Ministério Público Federal, em manifestação do eminente
Procurador-Geral da República Dr. RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, opinou
pelo improvimento do presente recurso de agravo, com
apoio em parecer assim ementado:
“AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE
PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ELIMINAÇÃO DO CERTAME POR
POSSUIR REGISTROS CRIMINAIS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E
ARQUIVAMENTO PELO ÓRGÃO MINISTERIAL. ELIMINAÇÃO QUE VIOLA O PRINCÍPIO DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
3. Parecer pelo
desprovimento do agravo regimental.” (grifei)
Entendo revelar-se inviável o recurso extraordinário a
que se refere o presente agravo, eis que a pretensão
jurídica deduzida pelo Estado do Ceará mostra-se colidente
com a presunção constitucional de inocência,
que se qualifica como prerrogativa essencial
de qualquer cidadão, impregnada de eficácia irradiante, o
que a faz projetar-se sobre todo o
sistema normativo, consoante decidiu o Supremo Tribunal
Federal em julgamento revestido de efeito vinculante (ADPF
144/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Com efeito, a controvérsia suscitada na
presente causa já foi dirimida, embora em sentido
diametralmente oposto ao ora sustentado pelo Estado do Ceará,
por ambas as Turmas do Supremo Tribunal
Federal que reafirmaram a aplicabilidade, aos
concursos públicos, da presunção constitucional do
estado de inocência:
“CONCURSO PÚBLICO – CAPACITAÇÃO MORAL – PROCESSO-CRIME
– PRESCRIÇÃO. Uma vez declarada a prescrição da pretensão punitiva
do Estado, descabe evocar a participação do candidato em crime, para
se dizer da ausência da capacitação moral exigida relativamente a concurso
público.”
(RTJ 183/327, Rel. Min. MARCO AURÉLIO
– grifei)
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO
DO DF. INVESTIGAÇÃO SOCIAL E FUNCIONAL.
SENTENÇA PENAL EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE. OFENSA DIRETA AO
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MATÉRIA
INCONTROVERSA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279. AGRAVO
IMPROVIDO.
I – Viola o princípio constitucional
da presunção de inocência, previsto no art. 5º,
LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato
de concurso público que foi beneficiado por
sentença penal extintiva de punibilidade.
II - A Súmula 279 revela-se inaplicável quando os
fatos da causa são incontroversos, tendo o Tribunal ‘a quo’ atribuído a eles
conseqüências jurídicas discrepantes do entendimento desta Corte.
III - Agravo regimental improvido.”
(RE 450.971-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI – grifei)
Essa orientação firmada pelo Supremo
Tribunal Federal apoia-se no fato de que a presunção
de inocência representa uma notável conquista
histórica dos cidadãos, em sua permanente luta contra a
opressão do poder.
O postulado do estado de inocência encerra,
em favor de qualquer pessoa que esteja sofrendo ou
que já tenha sofrido persecução penal de que não haja resultado
condenação criminal transitada em julgado, o reconhecimento
de uma verdade provisória, que repele suposições ou
juízos prematuros de culpabilidade, até que sobrevenha – como
o exige a Constituição do Brasil (art. 5º, inciso LVII) – o
trânsito em julgado da condenação penal. Só então
deixará de subsistir, em favor da pessoa condenada, a
presunção (constitucional) de que é inocente.
Há, portanto, um momento
claramente definido no texto constitucional, a partir do
qual se descaracteriza a presunção de inocência, vale dizer,
aquele instante em que sobrevém o trânsito em julgado
da condenação criminal. Antes desse momento – insista-se
–, o Estado não pode tratar os indiciados ou réus como
se culpados já fossem. A presunção
de inocência impõe, desse modo, ao Poder Público, um
dever de tratamento que não pode ser
desrespeitado por seus agentes e autoridades, tal como tem sido constantemente
enfatizado pelo Supremo Tribunal Federal:
“O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO
DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE,
COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE
AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
- A prerrogativa jurídica da liberdade
– que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV)
– não pode ser ofendida por interpretações
doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante
discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar,
paradoxalmente, em detrimento de direitos e
garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a
ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta
prática de crime indigitado como grave, e até que sobrevenha
sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela
possível – por efeito de insuperável vedação
constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a
culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado
como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal
cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista,
a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da presunção
de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra,
além de outras relevantes conseqüências, uma regra de
tratamento que impede o Poder Público de agir e
de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao
denunciado ou ao réu, como se estes
já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do
Poder Judiciário. Precedentes.”
(HC 95.886/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Mostra-se importante acentuar que
a presunção de inocência não se
esvazia progressivamente, à medida em que
se sucedem os graus de jurisdição, a significar que, mesmo
confirmada a condenação penal por um Tribunal de segunda instância (ou
por qualquer órgão colegiado de inferior jurisdição), ainda
assim subsistirá, em favor do sentenciado, esse
direito fundamental, que só deixa de prevalecer – repita-se
– com o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
Vale referir, no ponto, a esse
respeito, a autorizada advertência do eminente
Professor LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com o Professor VALÉRIO DE
OLIVEIRA MAZZUOLI (“Direito Penal – Comentários à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica”, vol. 4/85-91, 2008, RT):
“O correto é mesmo falar em
princípio da presunção de inocência
(tal como descrito na Convenção Americana), não em princípio da
não-culpabilidade (esta última locução tem origem no fascismo italiano, que não
se conformava com a idéia de que o acusado fosse, em princípio, inocente).
Trata-se de princípio consagrado não
só no art. 8º, 2,
da Convenção Americana senão também (em parte) no art. 5°,
LVII, da Constituição Federal, segundo o qual toda
pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada
culpada por sentença transitada em julgado. Tem
previsão normativa desde 1789, posto que já constava da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão.
Do princípio da presunção de
inocência (‘todo acusado é presumido inocente até que se
comprove sua culpabilidade’) emanam duas regras: (a)
regra de tratamento e (b) regra
probatória.
‘Regra de tratamento’: o acusado
não pode ser tratado como condenado antes do trânsito
em julgado final da sentença condenatória (CF, art. 5°, LVII).
O acusado, por força da regra que
estamos estudando, tem o direito de receber a devida ‘consideração’
bem como o direito de ser tratado como não participante do fato imputado. Como
‘regra de tratamento’, a presunção de inocência impede qualquer
antecipação de juízo condenatório ou de reconhecimento da
culpabilidade do imputado, seja por situações, práticas, palavras,
gestos etc., podendo-se exemplificar: a impropriedade de se manter o
acusado em exposição humilhante no banco dos réus, o uso de algemas quando
desnecessário, a divulgação abusiva de fatos e nomes de pessoas pelos meios de
comunicação, a decretação ou manutenção de prisão cautelar desnecessária, a
exigência de se recolher à prisão para apelar em razão da existência de
condenação em primeira instância etc. É contrária à
presunção de inocência a exibição de uma
pessoa aos meios de comunicação vestida com traje infamante (Corte
Interamericana, Caso Cantoral Benavides, Sentença de
18.08.2000, parágrafo 119).” (grifei)
Disso resulta, segundo entendo, que
a consagração constitucional da presunção de inocência como
direito fundamental de qualquer pessoa há de viabilizar,
sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória
dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre
considerada inocente, para todos e quaisquer
efeitos, deve prevalecer, até o superveniente
trânsito em julgado da condenação judicial, como
uma cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura
de quaisquer medidas que afetem ou que
restrinjam, seja no domínio civil, seja no
âmbito político, a esfera jurídica das pessoas em
geral.
Nem se diga que a garantia
fundamental de presunção de inocência teria pertinência e
aplicabilidade unicamente restritas ao campo do direito penal e
do direito processual penal.
Torna-se importante assinalar, neste
ponto, que a presunção de inocência, embora historicamente
vinculada ao processo penal, também
irradia os seus efeitos, sempre em favor das
pessoas, contra o abuso de poder e a
prepotência do Estado, projetando-os para esferas não
criminais, em ordem a impedir, dentre outras
graves consequências no plano jurídico – ressalvada a excepcionalidade
de hipóteses previstas na própria Constituição –, que se
formulem, precipitadamente, contra qualquer cidadão,
juízos morais fundados em situações juridicamente ainda
não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente
instáveis) ou, então, que se imponham,
ao réu, restrições a seus direitos, não obstante inexistente
condenação judicial transitada em julgado.
O que se mostra relevante, a propósito do efeito irradiante
da presunção de inocência, que a torna aplicável a processos (e a
domínios) de natureza não criminal, é
a preocupação, externada por órgãos investidos de jurisdição
constitucional, com a preservação da integridade de
um princípio que não pode ser transgredido
por atos estatais (como a exclusão de concurso público motivada
pela mera existência de registros criminais em nome do candidato, sem
a nota, porém, do trânsito em julgado da condenação penal) que
veiculem, prematuramente, medidas gravosas à esfera
jurídica das pessoas, que são, desde logo, indevidamente
tratadas, pelo Poder Público, como se culpadas fossem, porque
presumida, por arbitrária antecipação fundada em
juízo de mera suspeita, a culpabilidade de
quem figura, em processo penal ou civil, como simples réu!
Cabe referir, por extremamente oportuno,
que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento plenário (RE 482.006/MG,
Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI), e interpretando a
Constituição da República, observou, em sua decisão, essa mesma
diretriz – que faz incidir a presunção
constitucional de inocência também em domínio extrapenal
–, explicitando que esse postulado constitucional alcança
quaisquer medidas restritivas de direitos, independentemente
de seu conteúdo ou do bloco que compõe, se de
direitos civis ou de direitos políticos.
A exigência de coisa julgada,
tal como estabelecida no art. 5º, inciso
LVII, de nossa Lei Fundamental, representa, na constelação
axiológica que se encerra em nosso sistema constitucional, valor
de essencial importância na preservação da
segurança jurídica e dos direitos do cidadão.
Mostra-se relevante acentuar, por isso mesmo,
o alto significado que assume, em nosso sistema normativo, a
coisa julgada, pois, ao propiciar
a estabilidade das relações sociais, ao dissipar as
dúvidas motivadas pela existência de controvérsia jurídica (“res judicata
pro veritate habetur”) e ao viabilizar a
superação dos conflitos, culmina por consagrar a segurança
jurídica, que traduz, na concreção de seu alcance, valor
de transcendente importância política, jurídica e social, a representar
um dos fundamentos estruturantes do próprio Estado
democrático de direito.
Em suma: a submissão de uma pessoa a
meros inquéritos policiais – ou, ainda,
a persecuções criminais de que não haja derivado,
em caráter definitivo, qualquer título penal
condenatório – não se reveste de suficiente
idoneidade jurídica para autorizar a formulação, contra
o indiciado ou o réu, de juízo (negativo) de maus
antecedentes, em ordem a recusar, ao que
sofre ou ao que já sofreu (sem sentença
condenatória transitada em julgado) a “persecutio criminis”, o
acesso a determinados benefícios legais ou o direito
de participar de concursos públicos:
“PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO
CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII). MERA
EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS EM CURSO (OU
ARQUIVADOS ), OU DE PROCESSOS PENAIS EM ANDAMENTO, OU
DE SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA SUSCETÍVEL
DE IMPUGNAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA, EM TAIS SITUAÇÕES ,
DE TÍTULO PENAL CONDENATÓRIO IRRECORRÍVEL. CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE
DE FORMULAÇÃO, CONTRA O RÉU, COM BASE EM EPISÓDIOS
PROCESSUAIS AINDA NÃO
CONCLUÍDOS, DE JUÍZO DE MAUS ANTECEDENTES. PRETENDIDA CASSAÇÃO
DA ORDEM DE ‘HABEAS CORPUS’. POSTULAÇÃO RECURSAL INACOLHÍVEL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.
- A formulação,
contra o sentenciado, de juízo de maus antecedentes, para os
fins e efeitos a que se refere o art. 59 do
Código Penal, não pode apoiar-se na mera
instauração de inquéritos policiais (em andamento ou arquivados),
ou na simples existência de processos penais em curso,
ou, até mesmo, na ocorrência de condenações criminais ainda
sujeitas a recurso.
É que não podem repercutir,
contra o réu, sob pena de transgressão ao
postulado constitucional da não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII),
situações jurídico-processuais ainda não definidas
por decisão irrecorrível do Poder Judiciário, porque inexistente,
em tal contexto, título penal condenatório definitivamente
constituído. Doutrina. Precedentes.”
(RE 464.947/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Tal entendimento – que se revela compatível
com a presunção constitucional “juris tantum” de inocência (CF,
art. 5º, LVII) – ressalta, corretamente, e
com apoio na jurisprudência dos Tribunais (RT 418/286
– RT 422/307 – RT 572/391 – RT 586/338),
que processos penais em curso, ou inquéritos
policiais em andamento ou, até mesmo,
condenações criminais ainda sujeitas a recurso não
podem ser considerados, enquanto episódios processuais
suscetíveis de pronunciamento judicial absolutório, como
elementos evidenciadores de maus antecedentes
do réu (ou do indiciado) ou justificadores da adoção,
contra eles ou o candidato,
de medidas restritivas de direitos.
É por essa razão que o
Supremo Tribunal Federal já decidiu, por unânime
votação, que “Não podem repercutir,
contra o réu, situações jurídico-processuais ainda não definidas
por decisão irrecorrível do Poder Judiciário, especialmente
naquelas hipóteses de inexistência de título penal
condenatório definitivamente constituído” (RTJ 139/885,
Rel. Min. CELSO DE MELLO).
O exame da presente causa evidencia
que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária ajusta-se à
diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na
matéria em análise, o que desautoriza, por
completo, a postulação recursal deduzida pelo Estado do Ceará.
Sendo assim, e tendo em consideração as
razões expostas, conheço do presente agravo, para negar
seguimento ao recurso extraordinário, eis que o acórdão recorrido está
em harmonia com diretriz jurisprudencial prevalecente
nesta Suprema Corte (CPC, art. 544, § 4º, II, “b”, na
redação dada pela Lei nº 12.322/2010).
Publique-se.
Brasília, 06 de dezembro de 2013.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
Nenhum comentário:
Postar um comentário