Sanções
Políticas Indiretas - Matéria Tributária - Inadmissibilidade - Ofensa a
Diversos Postulados Constitucionais (Transcrições)
(v.
Informativo 707)
RE
550.769/RJ*
RELATOR: Ministro Joaquim
Barbosa
Voto Vencido
do Ministro Celso de Mello
O
litígio em causa envolve
discussão relevantíssima em torno da possibilidade constitucional de o
Poder Público, apoiando-se em disposições meramente
legais, impor restrições destinadas a compelir o
contribuinte inadimplente a pagar o tributo ou a
cumprir obrigações tributárias (principais ou acessórias) e de cuja
aplicação resulta, quase sempre, em decorrência do caráter
gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, a
inviabilização do exercício, pela empresa devedora, de atividade
econômica lícita.
No
caso ora em
análise, põe-se em destaque o exame
da legitimidade constitucional de exigência estatal fundada no
art. 2º, n. II, do DL nº 1.593/77, na redação dada pela Lei nº 9.822/99,
que erigiu o adimplemento de obrigação tributária principal
ou acessória à condição de requisito necessário à
conservação, pela empresa inadimplente, de seu registro especial
concedido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Cabe
acentuar, neste
ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes
os postulados constitucionais que asseguram a livre
prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170,
parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício
profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro – e considerando,
ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos
que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários –, firmou
orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em
enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e
547), no sentido de que a imposição, pela autoridade
fiscal, de restrições de índole punitiva, quando
motivadas tais limitações pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se
contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395,
Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, v.g.).
Esse
entendimento – cumpre
enfatizar – tem sido observado em sucessivos julgamentos
proferidos por esta Suprema Corte, quer sob a égide do anterior
regime constitucional, quer em face da vigente Constituição da
República (RTJ 33/99, Rel. Min. EVANDRO LINS – RTJ 45/859, Rel.
Min. THOMPSON FLORES – RTJ 47/327, Rel. Min. ADAUCTO CARDOSO – RTJ
73/821, Rel. Min. LEITÃO
DE ABREU – RTJ 100/1091, Rel. Min. DJACI FALCÃO – RTJ 111/1307,
Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 115/1439, Rel. Min. OSCAR CORREA – RTJ 138/847, Rel.
Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 177/961, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE
111.042/SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, v.g.):
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS: REGIME
ESPECIAL. RESTRIÇÕES DE CARÁTER PUNITIVO. LIBERDADE
DE TRABALHO. CF/67, art. 153, § 23; CF/88,
art. 5º, XIII.
I. - Regime especial de ICM, autorizado em lei
estadual: restrições e limitações, nele constantes,
à atividade comercial do contribuinte,
ofensivas à garantia constitucional da liberdade de trabalho (CF/67, art. 153,
§ 23; CF/88, art. 5º, XIII), constituindo forma oblíqua
de cobrança do tributo, assim execução política, que a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal sempre repeliu (Súmulas
nºs 70, 323 e 547).
II. - Precedente do STF: ERE 115.452-SP,
Velloso, Plenário, 04.10.90, ‘DJ’ de 16.11.90.
III. - RE não admitido. Agravo não
provido.”
(RE 216.983-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)
É certo
– consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal
Federal – que não se reveste de natureza
absoluta a liberdade de atividade empresarial, econômica ou
profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico,
direitos e garantias impregnados de caráter absoluto:
“OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS
NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO.
Não há, no sistema
constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de
caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público
ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam,
ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de
medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que
respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.
O
estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão
sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa –, permite
que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas,
de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de
outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois
nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da
ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.”
(RTJ 173/807-808, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
A circunstância de
não se qualificarem como absolutos os direitos e garantias
individuais proclamados no texto constitucional não significa
que a Administração Tributária possa frustrar o exercício
da atividade empresarial ou profissional do contribuinte
inadimplente, impondo-lhe exigências gravosas que, não
obstante as prerrogativas extraordinárias que já garantem, eficazmente,
o crédito tributário, visem, em última análise, a
constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele
incidam, especialmente naquelas situações em que se
revelam contestáveis as pretensões tributárias do Estado.
O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela
própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não
pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os
em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em
função deles – e mediante interdição ou grave
restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional –, constranger
o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente
em atraso.
Esse comportamento
estatal – porque arbitrário
e inadmissível – também tem sido igualmente censurado
por autorizado magistério doutrinário (HUGO DE BRITO MACHADO, “Sanções
Políticas no Direito Tributário”, “in” Revista Dialética de Direito
Tributário nº 30, p. 46/47):
“Em
Direito Tributário a expressão sanções
políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao
contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais
como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o
regime especial de fiscalização, entre outras.
Qualquer
que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer
atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos
artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País.
.......................................................................................................
São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem
que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco
aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a
recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em
cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de
certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o
contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do
contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.
Todas essas práticas são flagrantemente
inconstitucionais, entre outras
razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito
de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição
Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo
legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque
a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para
apreciar se a exigência é ou não legal.”
(grifei)
Cabe referir,
a propósito da controvérsia suscitada no recurso extraordinário em questão
– cancelamento do registro especial necessário à produção
empresarial –, a lição de EDISON FREITAS DE SIQUEIRA, em
obra monográfica que versou o tema das chamadas “sanções
políticas” impostas ao contribuinte inadimplente (“Débito
Fiscal – análise crítica e sanções políticas”, p. 61/62, item 2.3, 2001,
Sulina):
“Portanto, emerge incontroverso o fato de que uma
empresa, para que possa exercer suas atividades, necessita de sua
inscrição estadual, bem como de permanente autorização da expedição de
notas fiscais, sendo necessário obter nas Secretarias da Fazenda de cada estado
da federação onde vendam seus produtos, o respectivo reconhecimento de direito
à utilização de sistemas especiais de arrecadação, bem como na transferência de
créditos acumulados, além da obtenção da respectiva Autorização para
Impressão de Documentos Fiscais (AIDF), em paralelo às notas
fiscais.
Salienta-se que qualquer ação contrária do Estado, quanto à concessão e
reconhecimento dos direitos inerentes às questões no parágrafo anterior
referendadas, constitui ‘sanção política’, medida despótica e própria de
ditadores, porque subverte o sistema legal vigente. (...).” (grifei)
Cumpre assinalar, por oportuno, que essa percepção do tema, prestigiada
pelo saudoso e eminente Ministro ALIOMAR BALEEIRO (“Direito Tributário
Brasileiro”, p. 878/880, item n. 2, 11ª ed., atualizado por Misabel
Abreu Machado Derzi, 1999, Forense), é também compartilhada
por autorizado magistério doutrinário que põe em destaque,
no exame dessa matéria, o direito do contribuinte ao
livre exercício de sua atividade profissional ou econômica, cuja
prática legítima – qualificando-se como limitação material ao poder do
Estado – inibe a Administração Tributária, em face
do postulado que consagra a proibição de
excesso (RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE
MELLO), de impor ao contribuinte inadimplente restrições
que configurem meios gravosos e irrazoáveis destinados a constranger, de
modo indireto, o devedor a satisfazer o crédito tributário (HUMBERTO
BERGMANN ÁVILA, “Sistema Constitucional Tributário”, p. 324 e
326, 2004, Saraiva; SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, “Infração Tributária e
Sanção”, in “Sanções Administrativas Tributárias”, p.
420/444, 432, 2004, Dialética/ICET; HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO, “Processo
Tributário”, p. 93/95, item n. 2.7, 2004, Atlas; RICARDO LOBO TORRES, “Curso
de Direito Financeiro e Tributário”, p. 270, item n. 7.1, 1995, Renovar, v.g.).
A censura a esse comportamento
inconstitucional, quando adotado pelo Poder Público em sede
tributária, foi registrada, com extrema propriedade,
em precisa lição, por HELENILSON CUNHA PONTES (“O Princípio da
Proporcionalidade e o Direito Tributário”, p. 141/143, item n. 2.3, 2000,
Dialética):
“O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto
necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções
indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que
se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com
efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até
mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de
execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da
receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de
sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas
de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em
sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão
da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro
Nacional do Comércio até a proibição de participar de concorrências públicas.
O Estado brasileiro, talvez em exemplo único em todo o mundo ocidental, exerce,
de forma cada vez mais criativa, o seu poder de estabelecer sanções
políticas (ou indiretas), objetivando compelir o sujeito passivo a
cumprir o seu dever tributário. Tantas foram as sanções tributárias
indiretas criadas pelo Estado brasileiro que deram origem a três
Súmulas do Supremo Tribunal Federal.
Enfim, sempre
que houver a possibilidade de se impor medida menos gravosa à esfera
jurídica do indivíduo infrator, cujo efeito seja semelhante àquele decorrente
da aplicação de sanção mais limitadora, deve o Estado optar pela
primeira, por exigência do princípio da proporcionalidade em seu aspecto
necessidade.
.......................................................................................................
As sanções tributárias podem revelar-se inconstitucionais, por
desatendimento à proporcionalidade em sentido estrito (...), quando
a limitação imposta à esfera jurídica dos indivíduos, embora arrimada na
busca do alcance de um objetivo protegido pela ordem jurídica, assume uma
dimensão que inviabiliza o exercício de outros direitos e garantias
individuais, igualmente assegurados pela ordem constitucional.
.......................................................................................................
Exemplo de sanção tributária claramente desproporcional
em sentido estrito é a
interdição de estabelecimento comercial ou industrial motivada pela
impontualidade do sujeito passivo tributário relativamente ao cumprimento de
seus deveres tributários. Embora contumaz devedor tributário, um sujeito
passivo jamais pode ver aniquilado completamente o seu direito à livre
iniciativa em razão do descumprimento do dever de recolher os tributos
por ele devidos aos cofres públicos. O Estado deve responder à
impontualidade do sujeito passivo com o lançamento e a execução céleres dos
tributos que entende devidos, jamais com o fechamento da unidade
econômica.
Neste sentido, revelam-se flagrantemente inconstitucionais as medidas aplicadas,
no âmbito federal, em conseqüência da decretação do chamado ‘regime especial de
fiscalização’. Tais medidas, pela gravidade das limitações que impõem à
livre iniciativa econômica, conduzem à completa impossibilidade do
exercício desta liberdade, negligenciam, por completo, o verdadeiro
papel da fiscalização tributária em um Estado Democrático
de Direito e ignoram o entendimento já consolidado do Supremo Tribunal
Federal acerca das sanções indiretas em matéria tributária. Esta Corte,
aliás, rotineiramente afasta os regimes especiais de fiscalização, por
considerá-los verdadeiras sanções indiretas, que se chocam frontalmente com
outros princípios constitucionais, notadamente com a liberdade de
iniciativa econômica.” (grifei)
É por essa razão que EDUARDO FORTUNATO BIM, em excelente trabalho dedicado
ao tema ora em análise (“A Inconstitucionalidade das Sanções Políticas
Tributárias no Estado de Direito: Violação ao ‘Substantive Due Process of Law’
(Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade)”, “in” “Grandes
Questões Atuais do Direito Tributário”, vol. 8/67-92, 83, 2004,
Dialética), conclui, com indiscutível acerto, “que as sanções
indiretas afrontam, de maneira autônoma, cada um dos
subprincípios da proporcionalidade, sendo inconstitucionais em um Estado de Direito, por
violarem não somente este, mas ainda o ‘substantive due process of law’”
(grifei).
Cabe relembrar, neste ponto, consideradas as referências doutrinárias
que venho de expor, a clássica advertência de
OROSIMBO NONATO, consubstanciada em decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Federal (RE 18.331/SP), em acórdão
no qual aquele eminente e saudoso Magistrado acentuou, de forma
particularmente expressiva, à maneira do que já o fizera o Chief
Justice JOHN MARSHALL, quando do julgamento, em 1819,
do célebre caso “McCulloch v. Maryland”, que “o poder de tributar não
pode chegar à desmedida do poder de destruir” (RF 145/164 – RDA
34/132), eis que – como relembra
BILAC PINTO em conhecida conferência sobre “Os Limites do Poder Fiscal do
Estado” (RF 82/547-562, 552) – essa extraordinária
prerrogativa estatal traduz, em essência, “um poder que
somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível
com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito
de propriedade” (grifei).
Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar
do Poder Judiciário, investido de competência institucional para
neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais,
que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso
sistema jurídico, de um “estatuto constitucional do contribuinte”,
consubstanciador de direitos e garantias oponíveis ao
poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, in “Informativo STF” nº 125), culminam por
asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da
obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o
exercício de atividades legítimas, o que só faz conferir
permanente atualidade às palavras do Justice Oliver Wendell
Holmes, Jr. (“The power to tax is not the power to destroy while this Court
sits”), em “dictum” segundo o qual,
em livre tradução, “o poder de tributar não significa nem envolve o poder de
destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema”, proferidas,
ainda que como “dissenting opinion”, no julgamento,
em 1928, do caso “Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel.
Knox” (277 U.S. 218).
Não se pode perder de perspectiva, portanto, em face do
conteúdo evidentemente arbitrário da exigência estatal ora questionada na
presente sede recursal, o fato de que, especialmente quando
se tratar de matéria tributária, impõe-se
ao Estado, no processo de elaboração (e de aplicação) das leis, a observância
do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como
se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem
ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão
material, o princípio do “substantive due process of law”
(CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em
questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro
de aferição da própria constitucionalidade material dos atos
estatais, consoante tem proclamado a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/140-141 – RTJ
178/22-24, v.g.):
“O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade
legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de
diretriz fundamental que, encontrando suporte teórico no princípio da
proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições
irrazoáveis do Poder Público.
O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas
cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do
‘substantive due process of law’ – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar
os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se
como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material
dos atos estatais.
A norma estatal que não veicula qualquer
conteúdo de irrazoabilidade presta obséquio ao postulado da
proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua
dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law’ (CF,
art. 5º, LIV).
Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso
de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de
legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada,
ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em
juízo meramente político ou discricionário do legislador.”
(RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Em suma: a prerrogativa institucional de tributar, que
o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o
poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter
fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois
este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de
um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos
cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências
irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados.
A análise dos autos evidencia que o acórdão
proferido pelo E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região diverge
da orientação prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, reafirmada
em diversos julgamentos emanados desta Corte (RE 413.782/SC,
Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno – RE 374.981/RS, Rel. Min. CELSO
DE MELLO – RE 409.956/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 409.958/RS,
Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 414.714/RS, Rel. Min. JOAQUIM
BARBOSA – RE 424.061/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 434.987/RS,
Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).
Sendo assim, e considerando as razões expostas, peço
vênia para conhecer e dar provimento ao presente recurso
extraordinário, eis que também reconheço a inconstitucionalidade
do art. 2º, inciso II, do Decreto-lei 1.593/77, acompanhando,
em consequência, os doutos votos proferidos pelos eminentes
Ministros GILMAR MENDES e MARCO AURÉLIO.
É o meu voto.
*acórdão publicado no DJe de 3.4.2014
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